Maizum volta aos Clássicos ao vivo e vai levar à cena a Comedia Aulegrafia em 2022

Os Clássicos em Cena voltam às sessões ao vivo, pela mão do Teatro Maizum. A festa começa já esta segunda-feira, na Livraria Sá da Costa, em Lisboa, e vai até sábado.

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Susana Sá e Júlio Martín nas leituras encenadas dos Clássicos em Cena TEATRO MAIZUM

Em 2020, devido à pandemia, a 5.ª edição dos Clássicos em Cena, com leituras encenadas de peças quinhentistas, foi feita através do Facebook, mas este ano o Teatro Maizum volta às sessões ao vivo com a 6.ª edição, de novo no palco da Livraria Sá da Costa, em Lisboa. Serão quatro sessões, ao longo de uma semana, de segunda a sábado, onde vão ser apresentadas (em leituras encenadas, como habitualmente) mais três peças do repertório clássico.

Começa esta segunda-feira, às 19h, com o Auto da Bela Menina, de Sebastião Pires, seguida de uma tertúlia (às 20h) em que participam Rui Tavares (historiador), Júlio Martín da Fonseca (Univ. Aberta), Eduardo Molina (dramaturgo) e Silvina Pereira (CEC/ULisboa), fundadora e encenadora do Maizum. Na quarta-feira, dia 24, será a vez do Auto dos Enanos, de autor anónimo (19h), seguido também de tertúlia com, além de Silvina Pereira, Luísa Monteiro (ESTC/IPL-CIAC), Gabriel Silva (CEC/ULisboa) e Eduardo Frazão (encenador). Por último, e também de autor anónimo, será apresentada no dia 26, sexta-feira, Farsa Penada, contando a tertúlia com Márcio Ricardo Coelho Muniz (Univ. Federal da Bahia), Armando Nascimento Rosa (ESTC/IPL-CIAC), Ricardo Duarte (CEC/ULisboa) e Silvina Pereira.

No sábado, a também habitual Festa dos Clássicos reúne a trilogia, com leituras encenadas em sequência: Auto da Bela Menina (17h), Auto dos Enanos (18h) e Farsa Penada (19h), fechando o programa, às 20h, com “convívio e iguarias”. Antes desta maratona, porém, será lançada, no mesmo local, às 15h, a edição da Comedia Aulegrafia, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, em versão cénica de Silvina Pereira que, ao fim de duas décadas, deverá ser levada à cena pelo Maizum em meados do próximo ano. A apresentação da obra está a cargo dos escritores Hélia Correia e Fernando Dacosta, participando também o editor da Ponto de Fuga, Vladimiro Nunes. As leituras encenadas deste ano estão a cargo dos actores Ana Sofia Santos, Diogo Andrade, Eduardo Frazão, Eduardo Molina, Guilherme Barroso, Isabel Fernandes, João Didelet, João Ferrador, Júlio Martín, Manuel Vieira, Margarida Rosa Rodrigues, Mariana Fonseca, Mário Abel Costa, Marta Kaufmann, Miguel Vasques, Nylon Princeso, Silvina Pereira, Sofia Carô, Susana Sá, Teresa Faria e Tiago de Almeida.

Gil Vicente e os (muitos) outros

“Este ano”, diz Silvina Pereira ao PÚBLICO, “a escolha recaiu em três textos muito singulares, que por si só constituem um núcleo particular, onde se encontram o onírico, a fantasia, o inverosímil, que povoam hoje o nosso imaginário fílmico, e que se encontram trabalhados nestes textos, porque algumas destas matérias são do medieval fantástico.” Mas, acrescenta a encenadora, “estes textos por si só são muito curiosos”: “Juntei-os, por exemplo, para falar do sonho, caso do Auto da Bela Menina, que antecipa e dá corpo à realidade e é um sonho que nos permite mergulhar no inconsciente e que é revelador e premonitório, pois prevê o que vai acontecer. Era um auto de que o Luiz Francisco Rebello gostava particularmente, e ao apresentá-lo é também um tributo que lhe prestamos enquanto dramaturgo e ensaísta, pois deixou uma obra que deve ser estudada.”

“A produção do século XVI chega a umas 150 peças, um pouco mais até, sendo que meia centena são os autos do Gil Vicente, que são um caso de estudo porque é raro, é único, que um autor esteja a trabalhar durante mais de três décadas, de 1502 a 1536, para uma corte, deixando uma imensa obra que o faz fundador da dramaturgia teatral ibérica. Mas as outras peças foram metidas num saco que as desmerece, e estão lá o Sá de Miranda, o António Ferreira, o Jorge Ferreira de Vasconcelos, o Camões, o Chiado. E ao estudá-las, como tenho feito, percebe-se que formam conjuntos muitos particulares.”

O fantástico e o inverosímil

No caso das que agora são apresentadas, o que as liga é o fantástico e o inverosímil, diz Silvina: “O Auto da Bela Menina através do sonho, por aquilo que já expliquei; o Auto dos Enanos porque junta peripécias, rapto, loucura, magia numa liberdade fantasista imensa; e por último a Farsa Penada, onde o inverosímil é a morte em cena, que por decoro não era admitida. Claro que vem na linha da dramaturgia do Séneca, mas não era prática frequente. Acontece que aqui a donzela se suicida por amor, ajudada por um ermitão que era o diabo disfarçado e vemos aqui o confronto entre estes dois princípios fundadores da vida e da morte, Eros e Thanatos, com intervenção das deusas Fortuna, que chama a atenção para que tudo na vida é transitório, e Vénus, que vem resgatá-la para a vida e faz prevalecer a força do amor. E o seu apaixonado também é salvo do suicídio por intervenção alheia. É um Romeu e Julieta, 50 anos antes, que aqui acaba bem pela intervenção de uma deusa pagã. Ora num tempo em que somos tão crucificados por uma realidade que nos envilece, mergulhar nestes aspectos da vida e da morte também nos liberta da poeira de um quotidiano que nivela tudo pelo mesmo. No fundo, é dar cor, sangue vermelho, à vida.”

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Silvina Pereira, actriz e encenadora do Teatro Maizum DR

Da Aulegrafia à Vingança

Para 2022, em Março (dias 2, 4, 8, 15, 17 e 22) está prevista no Palácio Fronteira uma Master Class por Silvina Pereira, Do texto à cena / Encenar o Teatro Clássico Português: Comedia Aulegrafia, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, que será levada à cena em Julho. “O livro com a minha dramaturgia é lançado agora, com uma introdução do ponto de vista não apenas literário, mas da prática cénica: as personagens, o tempo, o espaço, a acção e a situação dramática. No fundo, para dar ao leitor e também ao futuro encenador destes textos toda a informação necessária. Esta edição antecede a estreia em palco da Comedia Aulegrafia, que eu há vinte anos tenho querido encenar, no próximo Verão.”

Em Outubro, haverá mais uma edição do Laboratório do Teatro Clássico Português e em Novembro a 7.ª edição dos Clássicos em Cena apresentará as três peças que, anunciadas para 2021, tiveram de ser adiadas por razões de programação e que são as três únicas tragédias conhecidas do repertório do século XVI: A Tragédia do Príncipe João de Diogo de Teive (“Que contamos estrear em palco em 2023 e será uma estreia absoluta”, diz Silvina Pereira), A Castro de António Ferreira e A Vingança de Agamémnon de Anrique Aires Vitória. O palco escolhido será, como é hábito, o da Livraria Sá da Costa.

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