As crianças são uma prioridade nacional

Construir uma nova oportunidade para o bem-estar, o desenvolvimento e a felicidade de todas as crianças portuguesas é uma tarefa para o conjunto da sociedade portuguesa

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Subscritores do Pacto para a Infância propõem o envolvimento de toda a sociedade Nuno Ferreira Santos

A situação da pandemia da covid-19 colocou à luz do dia a especial vulnerabilidade das crianças perante os desequilíbrios e desigualdades sociais. Apesar de as crianças serem especialmente resilientes à doença, a sua situação social tem vindo a agravar-se em múltiplos indicadores em todo o mundo: aumentou a pobreza infantil; cresceu a exposição das crianças à violência, nomeadamente à violência doméstica; agravaram-se os indicadores de perturbação de saúde mental em crianças e famílias; e alargou-se o fosso nas aprendizagens escolares com relação com o capital cultural e os rendimentos das famílias, na sequência do afastamento presencial das atividades letivas em períodos de confinamento. Apesar de Portugal não ter os indicadores especialmente elevados de agravamento da situação social das crianças de muitos países do mundo, e da resposta coletiva da sociedade portuguesa às consequências da pandemia nas crianças, nos planos sanitário, alimentar e educacional, ter sido no essencial positiva, a verdade é que em todos os aspetos sinalizados é hoje pior a situação global da infância em Portugal.

Este agravamento da situação, na conjuntura pandémica, reflete desequilíbrios estruturais que importa identificar e combater convictamente. Desde logo, a depressão demográfica que se verifica no nosso país, agravada ainda mais no último ano, só pode ser adequadamente resolvida se se promover ativamente uma política favorável às crianças e às famílias. Do mesmo modo, a quebra dos ciclos de pobreza e a rutura com a situação faz do grupo etário dos 0 aos 18 anos aquele que, percentualmente, apresenta maiores índices de pobreza, o que só pode ser alterado com ações e medidas que considerem as crianças como destinatários efetivos das mesmas, orientadas para o seu bem-estar e respeitadoras dos direitos sociais, sendo certo que não há melhoria das condições de vida das crianças sem garantir os recursos básicos às famílias. Simultaneamente, a promoção de uma cultura de defesa e promoção dos direitos da criança é a condição necessária para que, quer no plano das relações interindividuais e intergeracionais, quer no plano das instituições – as famílias, as escolas, os tribunais, os serviços públicos, as associações e instituições solidárias – seja promovida uma ética do cuidado e do respeito pelas crianças, que é também a condição do pleno desenvolvimento e bem-estar de cada um e de cada uma.

Alguns países próximos têm adotado muito recentemente medidas legislativas inovadoras orientadas para a proteção das crianças e famílias. A elaboração da Estratégia Europeia de Direitos da Criança e da Garantia Europeia para a Infância vão também no mesmo sentido. Portugal, na sua Presidência da União Europeia, fez questão, justamente, de colocar a infância no centro das prioridades das políticas sociais europeias consagradas no Compromisso Social do Porto. A aprovação recente da Estratégia Nacional dos Direitos da Criança corresponde a uma necessidade há muito identificada que encontra finalmente a sua concretização. Tudo isto são sinais de progresso. A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, em curso de aprovação, coloca como primeiro eixo estratégico reduzir a pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias. Torna-se, no entanto, necessário construir as medidas concretas de aplicação prática destes documentos fundamentais. Os instrumentos de resposta à crise pandémica e de projeção de um novo futuro ambientalmente mais equilibrado e socialmente marcado por maior coesão e inclusão social, necessitam de ser muito mais ambiciosos no que respeita às políticas de infância.

Construir uma nova oportunidade para o bem-estar, o desenvolvimento e a felicidade de todas as crianças portuguesas é uma tarefa para o conjunto da sociedade portuguesa, que coloca irrevogáveis responsabilidades políticas ao Estado e ao Governo, e exige a mobilização de todos os cidadãos e cidadãs.

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Em especial, é urgente:

Garantir a promoção da inclusão social e da luta contra a pobreza infantil, no apoio decisivo à primeira infância, nomeadamente com a adoção de medidas redistributivas que garantam condições alimentares, habitacionais, sanitárias e educativas a todas as crianças, o alargamento da cobertura das creches, o incremento contínuo da qualidade da educação infantil e básica e a promoção de um ambiente sustentável. Uma política efetiva de combate à pobreza infantil implica a mobilização de uma diversidade de recursos: financeiros; de respostas sociais e 

  1. Equipas qualificadas; meios legislativos e dispositivos adequados de formação, de avaliação e monitorização.
  2. Alargar a prevenção e proteção contra todas as formas de discriminação (social, étnica, religiosa, de género, etc.) e de violência contra a criança, nomeadamente com a qualificação e capacitação das medidas, serviços e respostas sociais às famílias e crianças, o alargamento da medida de acolhimento familiar, a inclusão de crianças com necessidades especiais, a integração e apoio às crianças migrantes, refugiadas e de minorias étnicas, e o acompanhamento social de proximidade das famílias. A proteção e desenvolvimento das crianças não pode ser a ação exclusiva de um departamento do Estado, mas é um desígnio que implica todas as frentes: políticas; financeiras; educacionais; de saúde; de habitação; de segurança social; de ambiente; etc. implicando processos de coordenação intergovernamental. Um forte envolvimento dos municípios, numa perspetiva de descentralização, é também indispensável.
  3. A participação da criança em decisões e processos de relevância para a promoção dos seus direitos, nomeadamente nos contextos escolares e institucionais, nas cidades e nas comunidades, na promoção do direito à informação das crianças e na proteção contra os riscos associados ao uso das tecnologias de informação.
  4. A promoção ativa de uma cultura dos direitos da criança, a todos os níveis - local, regional e nacional - o que implica a sua colocação na agenda política, e impõe a coordenação das políticas da infância ao mais alto nível governamental.

Este é o momento azado de concretização destas políticas. A sociedade portuguesa tem oportunidade de o realizar e de criar as condições para garantir a adoção das medidas necessárias em todos estes domínios.

Por ocasião da comemoração do 32º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990, os cidadãos e as cidadãs que assinam o Pacto para a Infância convocam todos os órgãos de soberania - Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais –, regiões autónomas e autarquias, órgãos e serviços da administração do Estado, as empresas e as organizações sociais, bem como os Portugueses e Portuguesas a assumirem, no âmbito da sua esfera de ação e influência, a prioridade à infância, que se possa exprimir em medidas ativas de política pública e em ações concretas capazes de garantir no presente, sem mais adiamentos, uma infância feliz numa sociedade mais coesa e harmoniosa.

Pode subscrever o Pacto para a Infância nesta página 

Subscritores

Adelina Paula Pinto (C.M. de Guimarães)

Álvaro Laborinho Lúcio (STJ)

Amélia Bastos (ISEG)

Ana Maria Teodoro Jorge (Cruz Vermelha Nacional)

Ana Lima (Centro de Computação Gráfica)

Ana Nunes de Almeida (ICS/UL)

Ana Sofia Carvalho (ICBAS/UP)

António Rodrigues (Irmãos Rodrigues)

António Sousa Pereira (Reitor da UP)

António Sousa Ribeiro (Diretor do CES/UC)

Artur Manuel Soares da Silva (Vice-Reitor da UA)

Beatriz Imperatori (UNICEF Portugal)

Clara Patrícia Costa Raposo (Presidente do ISEG/UL)

Edmundo Martinho (Provedor da SCML)

Fátima Veiga (Rede Europeia Anti-Pobreza)

Fernanda Rodrigues (Membro da Comissão Coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e CVP/Porto-Porto)

Fernando Resina da Silva (Fundação Vasco Vieira de Almeida)

Gabriela Portugal (UA)

Henrique Barros (Faculdade de Medicina da UP/ISPUP)

Hermano Carmo (Professor Catedrático Jubilado do ISCSP/UL)

Isabel Soares (Escola de Psicologia, UM)

João Amado (FPCE/UC)

João Gomes-Pedro (Fundação Brazelton/Gomes Pedro)

Joaquim de Azevedo (UCP)

Jorge Torgal (Escola Superior de Alcoitão, SCML)

José Côrte-Real (Fundação Belmiro de Azevedo)

José Teixeira (DST Group)

Liliana Fernandes (Católica Porto Business School e CEGEUCP)

Luísa Barros (Faculdade de Psicologia/UL)

Manuel Sarmento (Instituto de Educação/UM)

Margarida Gaspar de Matos (Instituto de Saúde Ambiental/UL)

Margarida Rangel (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação/UP)

Maria Cristina Canavarro (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação/UC)

Maria Filomena Gaspar (Faculdade de Psicologia e de Ciência da Educação, CES/UC)

Marta Santos Pais (Primeira Representante Especial do Secretário Geral da ONU sobre Violência contra a Criança)

Matilde Sirgado (Instituto de Apoio à Criança)

Miguel Ricou (Faculdade de Medicina/UP)

Raul Moreira Vidal (Professor Emérito da UP)

Rui do Carmo (Procurador da República Jubilado; Coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica)

Rui Godinho (SCML)

Rui Vieira de Castro (Reitor da UM)

Sandra Araújo (Rede Europeia Anti-Pobreza)

Telmo Mourinho Baptista (Diretor da Faculdade de Psicologia da UL)

Teresa Maria Vasconcelos (Escola Superior de Educação/IPL)

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