Consensos são “um preço necessário” para fazer reformas políticas

No estudo “Governar para a próxima eleição ou para a próxima geração?”, decisores políticos confessam: políticas de longo prazo que corrijam injustiças intergeracionais são muito difíceis de implementar. Mas há casos de sucesso. Qual é o seu segredo?

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A pressão social e os consensos políticos são as maiores garantias de sucesso de uma política Diego Nery

Se os cidadãos desvalorizam o futuro, os políticos tendem a fazê-lo ainda mais. São avessos ao risco e por isso se inibem de fazer políticas de longo prazo – porque são muito complexas e o seu resultado é difícil de prever, ou devido à resistência geral dos indivíduos à mudança. Apesar das dificuldades, há reformas que são concretizadas, algumas bastante inovadoras e que tornaram o país uma referência internacional. Quais os factores que mais garantem o sucesso?

A chave, revela um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, é a combinação do consenso político com a aceitação do problema pela população, de preferência gerando pressão social. Quando a reforma em causa não é popular, mas resulta de constrangimentos externos, também se consegue fazer. Mas sempre que estas condições foram satisfeitas, as reformas foram aprovadas e sobreviveram.

O estudo “Governar para a próxima eleição ou para a próxima geração? O caso de Portugal (1995-2019)”, promovido pelo Fórum Futuro dirigido por Miguel Poiares Maduro e realizado por Catherine Moury e Daniel Cardoso, analisou dez políticas públicas daquele período, umas bem sucedidas, outras não, que procuravam resolver problemas sociais a longo prazo, impondo no presente custos em prol das gerações futuras, à procura dos factores de sucesso.

“A procura de consenso com as partes interessadas, envolvendo a oposição, os stakeholders relevantes, e encontrando compromissos ou faseando a reforma é o requisito mais importante. Mais até do que mandato eleitoral. Este foi um factor importante para a aprovação de medidas de longo prazo, já que diminuiu as hipóteses de contestação às mesmas”, lê-se nas conclusões, conhecidas numa altura em que Portugal caminha para eleições antecipadas e o cenário de ingovernabilidade apontado pelas sondagens tem colocado a política de entendimentos para o pós-eleições no centro do debate. 

A descriminalização do consumo de drogas é o melhor exemplo desta dinâmica: “O tema foi discutido no âmbito de comissões parlamentares, contou com o apoio da esquerda radical, do Presidente da República e envolveu cientistas e o movimento associativo, bem como figuras políticas relevantes à direita”. Mas é também a política que melhor representa outros factores de sucesso, como a existência de estudos científicos e o envolvimento de peritos na comunicação pública.

O estudo mostra outros casos em que o conhecimento científico foi fundamental, como a Taxa de Recursos Hídricos (TRH), ou que a sua ausência resultou em fracasso, como o Imposto sobre heranças ou o mapeamento dos habitats naturais. Mas basta pensar na pandemia e nos encontros do Infarmed para termos a prova actual da eficácia das medidas ali propostas.

A existência de imposições europeias e outras influências externas, como a crise da dívida de 2010-2014, também se revelaram um factor favorável a reformas de longo prazo. “Este foi o caso, por exemplo, dos novos critérios para despedimentos, cuja adopção se baseou numa combinação de pressão da troika e opção ideológica do governo PSD/CDS-PP, que utilizou o contexto do resgate financeiro para pressionar a favor da medida”.

Em último lugar, mas também decisiva, é a pressão social vinda da opinião pública, da sociedade civil organizada (ONG, parceiros sociais, movimentos sociais) e dos media. “Em democracia, quanto maior a participação social, maior a possibilidade de o governo avançar para políticas de longo prazo”, escrevem os investigadores. E quanto mais elementos destes se conseguir juntar em torno de uma reforma, maior a sua probabilidade de sucesso.

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