O que aprendemos com a pandemia?

Precisamos de reforçar as respostas públicas, com uma cultura organizacional adequada e os recursos necessários para a era da colaboração. Os modelos antigos, rígidos, burocráticos e disfuncionais não servem para este tempo.

Num momento em que recrudescem os números relacionados com a covid-19, o Fórum para a Governação Integrada, na sua VI Conferência Internacional, que decorreu na Fundação Gulbenkian, no passado dia 15 de novembro, identificou algumas aprendizagens que vale a pena reter perante os desafios presentes e futuros.

1. Durante a pandemia experimentámos, como nunca, o que quer dizer viver numa era do risco e da complexidade. Percebemos, no último ano, como é difícil prever o que vai acontecer, como vai acontecer e quando vai acontecer. Vimos aumentar a incerteza, a insegurança e o medo. Precisamos de aprender a viver numa sociedade de risco, trabalhando em função de vários cenários, securizando sempre que possível a população e educando para a prevenção e gestão dos riscos e da complexidade.

2. Percebemos melhor como somos completamente interdependentes. Nunca foi tão verdade que vivemos numa aldeia global. O que afeta um afeta todos, embora com impactos diferentes, tocando muito mais os que já estavam em condições de vulnerabilidade. Precisamos de aprender a ser solidários sempre, a bem de todos e a, nestes contextos, ter particular atenção aos mais frágeis, protegendo, cuidando e não deixando ninguém para trás.

3. Sentimos a necessidade evidente de políticas integradas e de respostas holísticas. Ninguém pode resolver nada sozinho e a necessidade de articulação com outros é permanente em contexto de crise. Precisamos de construir soluções de governação integrada, como modelo de gestão de problemas complexos, que sejam capazes de processos eficientes e de resultados eficazes

4. Descobrimos que somos muito mais resilientes do que imaginávamos. A extraordinária resposta dos principais sistemas (saúde, educação e área social por exemplo) que foi capaz de fazer frente a uma exigência nunca antes vivida. Precisamos de reforçar ainda mais a nossa resiliência, com a capacidade de adaptação positiva face às adversidades, sem por elas nos deixarmos destruir.

5. Vimos como foram essenciais durante a pandemia, instituições públicas robustas, com efetiva capacidade de resposta e que assegurem o funcionamento vital da sociedade. Precisamos de reforçar as respostas públicas, com uma cultura organizacional adequada e os recursos necessários para a era da colaboração. Precisamos de tornar as nossas organizações muito mais ágeis e flexíveis (como o foram muitas vezes durante a pandemia) para nos adaptarmos melhor à mudança constante. Os modelos antigos, rígidos, burocráticos e disfuncionais não servem para este tempo.

6. Observámos que a dinâmica das relações de proximidade e de vizinhança assumiu grande importância na resposta à crise, com inúmeros exemplos de auto-organização de cuidado mútuo. Precisamos de comunidades de proximidade fortes, conscientes uns dos outros e capazes de agir para além do Estado, na construção de capital social de proximidade. Assim estaremos mais protegidos.

7. Observámos como os interesses são muitas vezes antagónicos e as propostas defendidas também: a discussão a partir de critérios de saúde publica ou de critérios da economia – mais confinamento vs. mais abertura – ou a abertura da patente da vacina para todos vs. os interesses da industria farmacêutica, mostraram isso. Precisamos de incrementar a nossa capacidade negocial, de estabelecer consensos e de encontrar pontos de equilíbrio, ousando ir mais longe e mais rápido.

8. Tornámo-nos mais conscientes da importância do conhecimento científico e passámos a escutar no espaço público, com maior protagonismo e atenção, a voz da ciência, como bom antídoto contra as notícias falsas, a desinformação e o populismo. Precisamos de reforçar uma comunicação mediática e interpessoal baseada em factos e em conhecimento científico robusto, dando espaço aos protagonistas com crédito científico assegurado.

9, Percecionámos que a pandemia teve múltiplos impactos colaterais na saúde, para além dos casos de doença provocada pelo SARS-CoV2. Particularmente, os impactos na saúde mental da população, em várias dimensões foram muito mais relevantes do que inicialmente se equacionou. Precisamos de aprender, para futuro, que deve existir uma ação de promoção do bem-estar mental e emocional, particularmente junto dos mais vulneráveis e mais isolados.

10. Finalmente, aprendemos (espera-se) que, sempre que colaborámos, vencemos. Sempre que não o fizemos, soçobrámos. Precisamos de tornar a colaboração como a regra, e a ausência dela como a exceção, instalando para tal um verdadeiro “software colaborativo” nas nossas cabeças, nas nossas relações e nas nossas organizações. Sem essa aprendizagem essencial de nada terão servidos as lições da pandemia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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