Brasil

No centro de São Paulo vive uma tribo indígena mergulhada numa Selva de Pedra

O desenvolvimento urbano incorporou o território da tribo Guarani M'bya, tornando impossível a prática do estilo de vida tradicional. Os seus hábitos mudaram completamente.” Os membros da tribo usam telemóveis, têm acesso à internet; os mais jovens têm Instagram, acedem ao YouTube, fazem hip-hop. “E sofrem preconceito por isso mesmo”, conta o fotógrafo Luca Meola ao P3. “As pessoas acham que os indígenas não deveriam usar tecnologia moderna.”

©Luca Meola
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No Pico do Jaraguá, não muito longe do centro da grande metrópole de São Paulo, no Brasil, estão plantadas seis aldeias de características muito particulares. Tekoa Itakupe, Tekoa Ytu, Tekoa Pyau, Tekoa Itaendy, Tekoa Itawera e Tekoa Yvy Porã são aldeias indígenas do povo Guarani M’bya, onde residem “guerreiros e guerreiras divididos entre a cultura tradicional e as muitas solicitações do mundo exterior”, refere, em entrevista ao P3, o fotógrafo italiano Luca Meola, que dedicou dois anos (de 2018 a 2020) ao registo do quotidiano desta tribo de raiz ancestral. “O local bate um triste recorde no Brasil: estas são as menores aldeias indígenas em extensão”, salienta o fotógrafo, chamando a atenção para o facto de essas estarem plantadas sobre apenas 1,7 hectares de área. "Estão um pouco escondidas. Nestes anos já falei com pessoas de São Paulo que nem sabiam que havia indígenas na cidade."

Moram, presentemente, nas aldeias entre 700 a 800 indígenas Guarani M'bya. “O território reduzido, a falta de saneamento básico são apenas alguns dos problemas que tornam as condições de vida por lá muito difíceis e precárias”, descreve Meola. Junto às aldeias, o rio está poluído, não há animais para caçar, a área de que dispõem para cultivo é reduzida. “Os povos tradicionais viviam inseridos na natureza; o desenvolvimento urbano incorporou o seu território, tornando impossível a prática do estilo de vida tradicional. Os seus hábitos mudaram completamente.”

Usam telemóveis, internet, os mais jovens estão inscritos no Instagram, no YouTube. “E sofrem preconceito por isso mesmo”, lamenta o italiano. “As pessoas acham que os indígenas não deveriam usar tecnologia moderna.” As suas casas, cercadas por favelas, por auto-estradas e por uma área verde protegida, são quase todas feitas de madeira, têm televisões, frigoríficos, como qualquer casa paulista. “Quando comecei o projecto, acompanhei adolescentes da tribo que faziam hip-hop, rap. Cantavam canções em guarani e em português, o que me parece curioso. Falamos de uma cultura que está um pouco no meio. Nas condições em que vivem, a cultura e identidade não são fixas, mas sujeitas às mudanças e redefinições contínuas.”

A tribo Guarani M’bya continua, porém, a não perder de vista os seus valores e identidade originais. “Lutam para preservar o seu ambiente e estilo de vida em harmonia com a natureza”, refere o fotógrafo. “Lutam contra a especulação imobiliária, contra os projectos de mineração e desmatamento, para que as gerações futuras possam crescer no meio de árvores e animais.” As crianças da comunidade frequentam escolas indígenas, instituições à parte, com modelos e currículos diferenciados, criadas pelo Estado brasileiro com vista, refere Meola, a “garantir a recuperação e a preservação da memória histórica indígena e a reafirmação das suas identidades étnicas”.

No interior das aldeias, as salas de oração assumem um papel essencial. “São espaços onde as pessoas da comunidade se encontram diariamente para rezar e para fortalecer o espírito de união”, conta o fotógrafo. “Os seus rituais fazem com que continuem a resistir, mesmo 500 anos a chegada de Álvares Cabral.” Algo que impressionou o italiano foi a quantidade de animais, sobretudo de cães, que deambula pelas aldeias indígenas do Pico do Jaraguá. “As pessoas abandonam os seus animais ali para que os indígenas tomem conta deles. São, seguramente, mais de 500 animais que os membros da tribo têm de alimentar, de cuidar, o que é difícil para eles.”

As fotografias de Luca Meola sobre esta comunidade, que integram o seu primeiro fotolivro sobre São Paulo, intitulado Selva de Pedra, descrevem momentos de tensão entre o município de São Paulo em torno da demarcação do seu território, em torno de direitos de acesso a serviços de saúde, mas não só. “Em 2020, entre 30 de Janeiro e 15 de Março, acompanhei uma ocupação de um terreno que durou um mês e meio”, conta. “A prefeitura tinha vendido um grande pedaço de terra que ficava muito próximo da aldeia a uma empresa de construção que, num só dia, cortou 500 árvores.” A defesa da floresta é essencial para a tribo. “Cada árvore é como um parente para a comunidade. Foi como se tivessem matado 500 pessoas do seu povo. Quando a polícia de choque chegou para os remover do local, eles estavam preparados para resistir – mas sem violência.” Luca considera que essa luta “deveria ser de todos nós”.

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