Alterações climáticas podem afectar colheitas já em 2030

Um estudo publicado na revista Nature Food conclui que a produção média do milho vai diminuir 24% até ao final do século, mas avisa que o declínio será evidente mais cedo do que o previsto, dentro de apenas dez anos. Já as colheitas de trigo podem aumentar 17%.

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A produção de trigo deverá aumentar REUTERS/Amit Dave

O alerta não podia ter sido mais oportuno. Em plena cimeira do clima, um estudo liderado por cientistas da agência espacial norte-americana NASA avisava que as alterações climáticas podem afectar a produção de milho e trigo, num cenário de elevadas emissões de gases com efeito de estufa. O artigo publicado na revista Nature Food conclui que o rendimento das culturas de milho pode diminuir 24%, enquanto o trigo poderá registar um crescimento potencial de cerca de 17%. É uma estimativa baseada no mau princípio do que pode acontecer “se tudo continuar como está”, mas o mais inesperado para os investigadores foi perceber que a clara e repentina mudança pode ser perceptível em apenas dez anos.

“Não esperávamos ver uma mudança tão relevante, em comparação com as projecções de rendimento de culturas que resultaram dos anteriores modelos climáticos e de culturas realizadas em 2014”, diz Jonas Jägermeyr, cientista climático do Instituto Goddard para os Estudos Espaciais (GISS) da NASA e do Instituto da Terra da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e um dos principais autores do trabalho. O efeito do milho foi surpreendentemente grande e negativo, destaca o especialista concluindo: “Uma diminuição de 20% em relação aos actuais níveis de produção poderia ter graves implicações a nível mundial.”

Este estudo representa uma nova geração de projecções sobre os efeitos do clima na produção agrícola. “Aqui relatamos novas projecções do século XXI utilizando conjuntos de culturas e modelos climáticos de última geração. Os resultados sugerem respostas de rendimento nitidamente mais pessimistas para o milho, soja e arroz”, escrevem os cientistas, acrescentando que, em contraste, as culturas do trigo poderão ter alguns ganhos.

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Adriano Miranda

Declínio da soja e arroz nalgumas regiões

O milho é cultivado em todo o mundo, com destaque para os países mais próximos da linha do equador: a América do Norte e Central, África Ocidental, Ásia Central, Brasil e China, que, diz este estudo, verão potencialmente a sua produção diminuir nos próximos anos.

Em contraste, o trigo, que cresce melhor em climas temperados, “pode ver uma área mais vasta onde pode ser cultivado à medida que as temperaturas aumentam, incluindo o Norte dos Estados Unidos e Canadá, planícies do Norte da China, Ásia Central, Sul da Austrália e África Oriental, mas estes ganhos podem nivelar-se em meados do século”.

Além das previsões sobre a produção de culturas de milho e trigo, o estudo também conclui que as projecções para a soja e arroz mostraram um declínio em algumas regiões, mas à escala global o efeito climático para o milho e o trigo foi muito mais claro.

Utilizando diferentes modelos climáticos para os seus cálculos e estimativas, os cientistas defendem que a mudança do clima pode afectar a produção de milho e trigo já em 2030, num cenário de elevadas emissões de gases com efeito de estufa. “Embora as estimativas de rendimento futuro permaneçam incertas, estes resultados sugerem que as principais regiões de produção enfrentarão riscos climáticos antropogénicos distintos mais cedo do que anteriormente previsto”, alertam.

Mas não é só o aumento da temperatura que importa nestas projecções sobre a produção agrícola. Este impacto, explicam os autores do trabalho, exibe também as possíveis respostas aos “aumentos projectados da temperatura, a mudanças nos padrões de precipitação e a concentrações elevadas de dióxido de carbono de superfície resultantes de emissões de gases com efeito de estufa causadas pelo homem”.

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Campo agrícola com diferentes tipos e variedades de trigo Daniel Rocha

O efeito das respostas

O impacto da mudança do clima aparece em vários planos. “Níveis mais elevados de dióxido de carbono na atmosfera têm um efeito positivo na fotossíntese e na retenção de água, aumentando os rendimentos das culturas, embora muitas vezes a um custo para a nutrição”, referem os cientistas. Além disso, mesmo um isolado aumento da temperatura global também terá o seu efeito alterando os padrões de precipitação e a frequência e duração das ondas de calor e secas, o que, por sua vez, pode afectar a saúde e produtividade das culturas, bem como a duração das estações de cultivo, acelerando a sua maturidade.

A investigação olha para o que ainda está para vir, mas sabemos que actualmente a agricultura já sente os efeitos do clima. “As alterações climáticas já afectam a produtividade agrícola a nível mundial através de muitos mecanismos, impulsionados em grande parte por temperaturas médias e extremas mais altas, regimes de precipitação alterados e padrões de seca e concentrações atmosféricas elevadas de CO2.”

Como em muitos outros trabalhos deste tipo, os cientistas apoiaram-se em simulações de diferentes modelos climáticos com diferentes cenários para elaborar esta nova avaliação sistemática das projecções para a produção agrícola. O resultado foi a criação de cerca de 240 simulações de modelos climáticos globais para diversas culturas. “O que estamos a fazer é usar estas simulações de culturas virtuais dia-a-dia, alimentadas por um supercomputador, e depois olhar para a mudança ano a ano e década a década em cada local do mundo”, nota Alex Ruane, co-director do Grupo de Impactos Climáticos do GISS e co-autor do estudo.

Por fim, os cientistas lembram que este trabalho se centrou nos impactos das alterações climáticas. “Estes modelos não abordam os incentivos económicos, a mudança de práticas agrícolas, e adaptações como a criação de variedades de culturas mais resistentes, embora essa seja uma área de investigação activa”, admitem. Isto quer dizer que estes cálculos não têm em conta as nossas possíveis respostas a estas mudanças induzidas pelo clima. Esse, dizem, será o próximo passo.

Para já, este estudo oferece uma conclusão clara sobre os efeitos do clima na agricultura e sobre a rapidez desse impacto que será sentido mais cedo do que se pensava. “Mesmo sob cenários optimistas de alterações climáticas, em que as sociedades realizam esforços ambiciosos para limitar o aumento da temperatura global, a agricultura global enfrenta uma nova realidade climática”, remata Jonas Jägermeyr. “E com a interligação do sistema alimentar global, os impactos, mesmo que sejam apenas nos celeiros de uma região, serão sentidos em todo o lado.”

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