110 Histórias, 110 Objectos: o laboratório de química orgânica

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

No podcast 110 Histórias, 110 Objectos, um dos parceiros da Rede PÚBLICO, percorremos os 110 anos de história do Instituto Superior Técnico (IST) através dos seus objectos do passado, do presente e do futuro. Neste 20.º episódio do podcast, exploramos o laboratório de química orgânica.

Estamos em 1953 e o IST assiste a uma pequena revolução no ensino da química laboratorial. Com a supervisão de Pierre Laurent, dá-se início à reforma total do laboratório de química orgânica, situado no pavilhão de química do campus da Alameda, e de todo o paradigma da relação entre os alunos com o ensino da Química. Bernardo Herold, professor catedrático do IST jubilado em 2003, actualmente com 88 anos, acompanhou todo o processo e viria a gerir o laboratório a partir de 1962.

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O laboratório de química orgânica do IST Débora Rodrigues

A renovação deste laboratório foi feita por administração directa, sem recurso a empreiteiro. “O Professor Laurent andava sempre em cima dos operários, herdei um bocadinho isso”, partilha. Como? “Ando sempre com uma fita métrica no bolso porque as dimensões exactas das coisas têm uma importância enorme”.

O renovado laboratório de química orgânica tornou-se tão relevante que “as pessoas nem conseguem imaginar como é que o ensino laboratorial era feito antes destas transformações ao laboratório. Em Portugal era o topo, não havia nenhum tão bem e tão funcionalmente adaptado à química orgânica de síntese”. No espaço, antes da reforma, havia um laboratório com condições de bancadas e de serviços instalados completamente insuficientes.

“O Professor Laurent foi contratado com a finalidade específica de reformar o ensino laboratorial da química orgânica. Chegou e viu um laboratório onde quase nada funcionava. Tinha bancadas que estavam revestidas de cerâmica, apenas seis bicos de gás e duas tinas com água nos extremos das bancadas. Isso tornava os trabalhos como ele os concebia completamente impossíveis”, conta Bernardo Herold. “A concepção que havia antes dele era que o laboratório funcionava na base de aparelhos. Havia uns tantos aparelhos que estavam nas várias bancadas e cada grupo de estudantes ia servir-se de um aparelho para fazer um ensaio ou um trabalho. Foi ultrapassada nessa altura”, complementa.

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Foi então concebido um laboratório de modo a possibilitar o trabalho simultâneo de 48 estudantes, seis por cada bancada, foi aumentado o número de válvulas de água, gás e tomadas de electricidade. Por baixo de cada bancada, foi retirada a parte de carpintaria e arranjado móveis amovíveis, onde cada estudante podia guardar o material que era distribuído no início do ano, como copos, balões, refrigerante, etc. “O Professor Laurent, atribuiu uma unidade de trabalho a cada dois estudantes e durante todo o ano eles trabalhavam nesse sector de bancada. Eu fui o primeiro aluno a servir-me desta bancada no sítio onde estou aqui a falar”, mostra com emoção.

“O Técnico foi a minha casa. Aquilo que é criticado, com toda a razão, do incesto universitário: eu sou um exemplo extremo. Fiz doutoramento na Alemanha e depois tive que chefiar uma cátedra e criar um grupo de investigação sem ter a mínima experiência, salvo o meu doutoramento. Fazer a vida numa escola não é só sucessos e alegrias, há muita coisa que a gente não gosta de contar mas que está cá dentro. Em determinados momentos somos invadidos por essas recordações. Quando chego aqui eu sou inundado por uma torrente de recordações”, partilha. Algumas delas verdadeiramente caricatas: “Antigamente, quando os aquecimentos eram com bicos de gás, sempre que havia um derrame de um líquido inflamável dava logo origem a grandes labaredas. Nos primeiros tempos havia um extintor em cada bancada e eu apaguei muitos incêndios. Às vezes pelo ruído eu percebia o que estava a acontecer e ia com o contentor para o apagar”, recorda.

Não há registo de acidentes graves no laboratório, também graças à sua concepção numa perspectiva de segurança. De resto, a resistência é uma das principais características do laboratório. Tem bancadas de chumbo, que resiste muito bem à corrosão e acumula quase 70 anos de uso. “Não há material melhor do que isto. Material moldável, que fez com que fizesse uma geometria da superfície da bancada muito interessante e útil. Muito resistente e muito funcional. Em calão de oficina de automóveis isto chamava-se material de guerra”, defende. “Isto serve, no fundo, tão bem como serviu no primeiro dia. É muito funcional. Para o tipo de trabalho que se faz nas aulas práticas, é perfeitamente adequado. Acho que está perfeito para servir mais 50 anos”.

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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