Está feito. Pacto Climático de Glasgow aprovado, com reviravolta de última hora

A Índia apresentou o seu pedido de alteração já na abertura do plenário. O presidente da COP26 pediu desculpa, emocionou-se e chorou alguns segundos.

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Termina hoje a COP 26 Reuters/YVES HERMAN

O Pacto Climático de Glasgow foi aprovado, marcando o momento há muito esperado na COP26, mas com uma reviravolta inesperada. Alok Sharma bateu com o martelo na mesa às 19h42, aceitando uma emenda da Índia, para que o parágrafo sobre o carvão fosse alterado, passando-se do fim do seu uso para a “diminuição” do seu uso. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, já reagiu, em tom crítico: “Reafirmo a minha convicção que temos de acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis. Acabar com o carvão”.

Foi um golpe de teatro inesperado e que enfureceu algumas delegações, como a Suíça, que disse que lhe fora dito que não haveria alterações de última hora. A Índia apresentou o seu pedido de alteração já na abertura do plenário e depois de ouvir alguns delegados, o presidente da COP26 pediu desculpa, emocionou-se e chorou alguns segundos. “Peço desculpa, peço muita desculpa. Percebo o desapontamento. É vital que protejamos este pacote”, disse, parando, incapaz de continuar, por causa da emoção, e recebendo um aplauso.

O documento que fora colocado, minutos antes, na plataforma da cimeira, não sofrera alterações à proposta apresentada de manhã, apesar de vários países terem pedido para se mudar o parágrafo relacionado com os combustíveis fósseis e o fim de parte do carvão ainda utilizado.

O pacto continuava a pedir, por isso, aos países que “acelerem esforços” para acabar com parte do carvão em uso, e com os “subsídios ineficientes” aos combustíveis fósseis, reconhecendo também “a necessidade de apoio para uma transição justa”. O resultado final, contudo, foi para que houvesse um acelerar de esforços para “diminuir” o uso do carvão e não para acabar com ele.

Inalterado ficou o parágrafo que sustenta a necessidade de acabar com os combustíveis fósseis, no qual se reconhece que “limitar o aquecimento global a 1,5 graus requer reduções rápidas, profundas e sustentadas nas emissões globais de gases com efeito de estufa, incluindo uma redução de 45% das emissões de dióxido de carbono até 2030, comparando com os níveis de 2010, e da neutralidade carbónica até meio do século, bem como reduções profundas noutros gases com efeito de estufa.” Ainda na sexta-feira, a China tinha defendido que cada país deveria poder cortar emissões ao seu próprio ritmo, mas a sugestão não foi atendida.

Ao longo do dia, houve muitas críticas aos poucos avanços ao apoio no âmbito das perdas e danos, mas os países que mais precisam dessa ajuda — os mais pobres e mais directamente afectados por catástrofes decorrentes das alterações climáticas acabaram por aceitar o mal menor do que está previsto no pacto, em nome do compromisso e da confiança de que haverá desenvolvimentos concretos sobre apoio financeiro nesta matéria.

No pacto define-se que a Rede de Santiago, que deverá operacionalizar as perdas e danos, será “dotada de fundos para apoiar a assistência técnica à implementação de abordagens relevantes para impedir, minimizar e responder às perdas” e é estabelecido um grupo, denominado Diálogo de Glasgow entre as Partes, que envolva “as partes, organizações relevantes e stakeholders para discutir os procedimentos necessários para financiar actividades que impeçam, minimizem e respondam às perdas e danos associadas com os impactos das alterações climáticas”.

Enquanto ainda se votavam documentos no plenário, António Guterres divulgou o seu comunicado em que refere que os textos aprovados são “um compromisso”. “Eles reflectem os interesses, as condições, contradições e o estado da vontade política no mundo de hoje.” Salvaguardando os aspectos positivos conseguidos, que considera insuficientes, o secretário-geral da ONU avisa que “ainda estamos a bater à porta da catástrofe climática” e que é tempo de entrarmos “em modo de emergência”. E, avisa, para isso é preciso acabar com o carvão e os subsídios aos combustíveis fósseis e colocar um preço no carvão. “O nosso frágil planeta está preso por um fio”, avisou.​

Numa primeira reacção às conclusões da COP26, as três organizações portuguesas presentes na cimeira - Oikos, FEC e Zero - dizem que “houve avanços, mas insuficientes” e consideram “desastrosa” a reviravolta sobre o carvão. “No final, a emenda proposta pela Índia de considerar a redução do uso de carvão ao contrário da sua eliminação é lamentável e mostra a enorme dependência de muitos países deste combustível fóssil em particular que é um elemento fundamental da descarbonização global”, consideram, em comunicado conjunto.

As organizações não-governamentais (ONG) consideram que os resultados de Glasgow ficam “bem aquém de assegurar uma trajectória que garantisse um aquecimento não superior a 1,5°C em relação à era pré-industrial”, conforme está previsto no Acordo de Paris. “Contudo, consideram que o que se conseguiu em Glasgow “não deixa de ser uma base importante para progressos futuros”, voltando as expectativas para a COP do próximo ano, que deve realizar-se em Sharm el-Sheikh, no Egipto.

Na noite deste sábado também ficou, finalmente, fechado o Artigo 6, sobre os mercados de carbono, o único aspecto que faltava regulamentar do Acordo de Paris.

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