O capitalismo é compatível com direitos laborais?

Quer durante o século XX, quer no tempo actual, são múltiplos os exemplos de economias capitalistas que consagram, com sucesso, direitos laborais.

Para que não restem dúvidas, nem sejam feitas interpretações deturpadoras, quero responder já à pergunta do título: um redondo sim. E é sim, porque a realidade assim o comprova. Quer durante o século XX, quer no tempo actual, são múltiplos os exemplos de economias capitalistas que consagram, com sucesso, direitos laborais.

Esta questão antiga veio à baila na sequência das negociações para o Orçamento do Estado, que acabou chumbado no Parlamento.

Segundo a versão do Partido Socialista, as negociações não chegaram a bom porto devido à intransigência, e exigências irrazoáveis, por parte do PCP e do Bloco de Esquerda. Muitos comentadores da televisão vieram até dizer que, agora, veio ao de cima a falha profunda que sempre identificaram na “geringonça": o Partido Socialista ser um defensor do actual modelo europeu e do capitalismo, enquanto o BE e o PCP são defensores doutra Europa e de outro sistema económico.

É bem verdade que podemos encontrar divisões claras entre o PS e os partidos à sua esquerda relativamente aos desideratos político-ideológicos mais profundos. Mas é demagógico invocar essas clivagens a propósito da negociação para este Orçamento do Estado. Afinal, essas clivagens sempre existiram, e vão continuar a existir, mas permitiram entendimentos orçamentais desde 2015.

Relativamente ao Orçamento deste ano, aliás, as exigências do BE e do PCP foram bem explicitadas e nada tinham a ver com o abandono da União Europeia, da NATO ou o deixarmos de viver num regime capitalista. Pelo contrário, eram propostas muito concretas, defensoras dos direitos laborais, reforçadoras do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social.

Aqui chegados, faz sentido a velinha pergunta do título. Se o argumento é que não podemos ter contratos colectivos de trabalho sólidos (sem caducidades automáticas), que não podemos ter 35 horas de trabalho por semana para todos, que não podemos ter mais investimentos nos recursos humanos do Serviço Nacional de Saúde, que não podemos ter aumentos significativos no salário mínimo, que não podemos dificultar os despedimentos e a precariedade (que afecta muito os mais novos e os menos qualificados) e que não podemos ter uma melhoria clara das condições financeiras dos reformados, porque tudo isto é incompatível com o capitalismo e com as regras da União Europeia, então, teríamos que dar razão àqueles que denunciam a falência do capitalismo como modelo produtor de bem-estar.

 A verdade é que nenhuma das propostas apresentadas, quer pelo PCP, quer pelo BE, para a aprovação deste Orçamento de Estado inviabilizam o regime capitalista ou prejudicam o crescimento económico. Muito pelo contrário, as políticas que trazem segurança laboral e rendimentos acrescidos às pessoas são políticas potenciadoras do consumo e da natalidade, logo, da procura numa economia de mercado e da sustentabilidade da segurança social. Aliás, em 2015, essa foi a escolha feita pela “geringonça”, e o país não só passou a crescer mais do que anteriormente como teve contas públicas equilibradas.

Não me interessa aqui discutir as tácticas xadrezistas dos partidos. Interessa-me a questão de fundo: quer Portugal ser um capitalismo decente (como o dos países nórdicos), em que o sector privado paga altos salários e o Estado de Bem-Estar, forte, ampara as pessoas, protege a sua saúde, a sua educação e o seu emprego, e onde se trabalha quanto-baste, para se ter boa vida familiar, ou quer ser um capitalismo indecente dos baixos salários, longas cargas laborais, inexistência de protecção no emprego, de exploração sistémica e inimigo da família?

Como acredito que a maioria dos portugueses quer a primeira versão, medidas como os fortes aumentos do salário mínimo (que forcem uma destruição criativa através da eliminação das empresas que não conseguem pagar bem), o combate à precariedade ou a diminuição do horário de trabalho são tudo medidas necessárias para irmos no bom caminho. 

Tácticas partidárias à parte, é esse o caminho certo para o nosso capitalismo, o único sustentável e produtor de bem-estar.

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