Simon Banza, o avançado que não queria ter de falar português

Um dia, o jogador francês do Famalicão disse a um colega que esperava nunca precisar de falar português. A vida trocou-lhe as voltas, Portugal chamou-o e, hoje, é um dos destaques da I Liga.

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Banza, de joelhos, celebra frente ao Boavista LUSA/RUI MANUEL FARINHA

Um jogador marca golos que ajudam um clube a subir da segunda para a primeira divisão francesa. Depois, apesar de menos goleador, é opção regular (35 jogos), aos 24 anos, no sétimo classificado da Ligue 1, que ficou à porta da Europa. O que viria a seguir? Manter-se nessa equipa de uma das “big 5” seria uma opção lógica. Outras possíveis seriam continuar noutra equipa do mesmo campeonato – afinal, mostrou potencial –, ou mesmo transferir-se para um clube um pouco mais ambicioso.

No último Verão, em Famalicão, estas teorias foram contrariadas pela realidade. Simon Banza, na flor da idade e com golos na Ligue 1 – inclusivamente começou a época com um golo e uma assistência –, veio para uma equipa que luta pela permanência em Portugal. Para o Famalicão, que o acolheu, receber Banza foi, à moda de Al Pacino e Marlon Brando, uma oferta que os minhotos não poderiam recusar. Resultado: nove golos em nove jogos no clube nortenho e honra de ser uma das principais surpresas da I Liga.

Mas não foi este o primeiro movimento inesperado de Banza. Em 2017, o Lens já o tinha cedido a uma equipa do… Luxemburgo. Escusado será dizer que Banza, ainda com 20 anos, foi figura no frágil campeonato luxemburguês, com 18 golos.

Filipe Ribeiro fazia parte dessa equipa do Titus Pétange e recorda ao PÚBLICO a diferença que era ter este avançado na equipa. “Notava-se que ele tinha o claro e legítimo objectivo de regressar ao Lens. Estando a jogar, sentia-se sempre que ele podia resolver um jogo a qualquer momento. Sentíamos claramente que éramos mais fortes quando ele jogava. Eu sentia que, se ele continuasse a ter a humildade para seguir uma linha e um caminho sustentado, estava ali um jogador que poderia afirmar-se e estabelecer-se por muitos anos num bom nível do futebol profissional”, explica.

No prisma pessoal, Simon Banza mostrava ser “um miúdo pacato, humilde, sem as manias ou “vícios” que, naturalmente, um rapaz com a idade dele pode ter quando vem de um nível claramente superior [formação do Lens]”. “Era um miúdo de poucas palavras, mas de sorriso muito fácil e bem disposto”, acrescenta Filipe Ribeiro, que recorda que Banza tinha um desejo: não ser obrigado a falar… português. A vida trocou-lhe as voltas.

“Às vezes, nos treinos, eu tentava ensinar-lhe algumas palavras em português. Coincidência ou não, lembro-me de que, um dia, num desses momentos, o comentário dele foi: “Espero nunca precisar de falar português, senão não sei como vou fazer. É tão difícil”. Mas tenho a certeza de que o português dele já está praticamente ao nível do francês”.

Aproveita o que tem

No capítulo desportivo o avançado do Famalicão tem mostrado ser, em Portugal, um jogador de características raras – algo que pode adoçar o apetite dos principais clubes nacionais.

Com um perfil semelhante ao de Beto, que os portugueses “deixaram fugir” para a Liga italiana, Simon Banza joga do alto de quase 190 centímetros. Alto, esguio e de passada larga, o francês é, como Beto, “muito forte a atacar a profundidade, principalmente em movimentos de longas distâncias”.

Mas, pela caracterização de Filipe Ribeiro, actualmente já com curso de nível II de treinador, depreende-se que há uma diferença entre Banza e o ex-avançado do Portimonense: a maior capacidade associativa do francês. “Tem boa capacidade para ser o apoio frontal que uma equipa necessita, seja para permitir que a equipa ganhe alguns metros, seja para jogar de frente com o terceiro homem”, explica.

Filipe Ribeiro traça ainda o principal defeito de Simon Banza – pelo menos, enquanto foi jogador do Titus Pétange: “Na altura, aquilo que havia a melhorar era no capítulo da tomada de decisão. A diferença e o timing do passe e do drible”.

Dados do Who Scored apontam que o problema pode ainda não estar resolvido por completo. Banza é o quinto avançado da I Liga que mais dribles tenta e o quarto que mais dribles falha.

No capítulo das assistências para golo está a zero no campeonato, enquanto nos “key passes” – solicitações que colocam colegas em situações de finalização – não surge sequer no top 15 dos pontas-de-lança e no top-25 dos avançados em geral.

Ainda não é, portanto, um jogador capaz de definir a preceito para os companheiros, mas fá-lo para si próprio: é o jogador da I Liga com mais remates à baliza – e acertou 16 dos 25 que já fez, tendo um grande aproveitamento – e tem um índice de xG (golos esperados) de 7,03.

Considerando que tem precisamente sete golos na I Liga, isto equivale a dizer que aproveita da melhor forma as principais oportunidades que tem – numa interpretação superficial, os números dizem que não marca golos improváveis, mas também não falha os lances em que se espera que marque.

Este é Simon Banza, um avançado que, a acabar como começou, dificilmente estará em Famalicão na próxima temporada.

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