Estados unem-se numa aliança para pôr fim “ao parêntesis no tempo” dos combustíveis fósseis

Países comprometem-se a não produzir ou explorar petróleo e gás na sua área de jurisdição. Portugal assinou a declaração da Aliança para além do Petróleo e do Gás (BOGA).

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Refinaria de petróleo Daniel Becerril/Reuters

A COP26, em Glasgow, assistiu esta quinta-feira ao lançamento de mais uma iniciativa que pode ser considerada histórica, com um conjunto de países e estados a comprometerem-se a acabar com a produção de exploração de de petróleo e gás. Liderada pela Dinamarca e pela Costa Rica, a Aliança para além do Petróleo e do Gás (BOGA, na sigla inglesa), a que Portugal se juntou, foi apresentada ao final desta manhã na cimeira do clima, pelos ministros do Ambiente daqueles dois países. “Estava ansioso por este dia”, disse, em conferência de imprensa, um sorridente Dan Jørgensen.

O ministro do Ambiente dinamarquês considerou que o lançamento da BOGA representa “o início do fim do petróleo e gás”, apresentando esta nova aliança como “a acção corajosa e tangível” que tem sido pedida pela comunidade científica, a sociedade e os activistas, para travar o aquecimento global. “É de alguma forma provocador dizer que temos de terminar com a nossa própria produção de combustíveis fósseis. Este esforço vai ser difícil e não fazemos o lançamento desta iniciativa pela emoção do desafio, mas porque sabemos que precisamos de o fazer, porque não queremos enfrentar as consequências de não agir, depois de o IPCC ter deixado um código vermelho para a humanidade no seu último relatório. A era fóssil tem de acabar.”

A BOGA conta, por enquanto, com 12 fundadores, nas três categorias a que os Estados se podem juntar à aliança. Há membros do núcleo central “comprometidos em terminar novas concessões, licenciamentos ou aluguer de espaço para a produção e exploração de petróleo e gás e em estabelecer uma data alinhada com o Acordo de Paris para terminar a produção e exploração de petróleo e gás no território sobre o qual têm jurisdição.” Além da Dinamarca e da Costa Rica estão neste grupo a França, Gronelândia, Irlanda, Suécia, Gales, e o estado do Quebeque (Canadá).
Portugal aparece com a categoria de membro associado, assim como a Nova Zelândia e o estado da Califórnia (Estados Unidos), destinado a quem “já tomou passos concretos significativos para contribuir para a redução de produção de gás e petróleo”. A Itália é, por enquanto, o único membro da categoria “amigos da BOGA”, na qualidade de um Estado que apoia uma transição “justa e equitativa para alinhar a produção de petróleo e gás com os objectivos do Acordo de Paris”.

Andrea Meza, a popular ministra do Ambiente da Costa Rica, convidou outros países a juntarem-se à BOGA, que tem sido encarada com alguma cautela pelo facto de os maiores produtores de petróleo do mundo – como os Estados Unidos, a Arábia Saudita, a Rússia ou a Austrália – não integrarem a aliança. “Queremos iniciar a conversa sobre a produção de petróleo e gás, o que não é fácil em lado nenhum. Na Costa Rica não somos produtores, mas temos reservas e há sempre a tentativa de as usar. É importante que tenhamos uma plataforma que continue a gerar momentum político e que inclua as boas práticas, as boas políticas, porque reconhecemos que não vai ser uma viagem fácil. Mas é preciso reconhecer que cada dólar investido nos fósseis é menos um dólar para as energias renováveis ou para a protecção da natureza e precisamos de coerência”, disse.

Dan Jørgensen lembrou que a Dinamarca é “um dos maiores produtores de petróleo da União Europeia”, frisando que o país estabeleceu a data de 2050 para acabar com a produção de petróleo, ao mesmo tempo que decidiu cancelar todas as novas licenças. Uma decisão cara e que influencia muitas pessoas, mas que o país decidiu tomar porque “não há planeta B”, lembrou. E garantiu estar em conversações com vários países, deixando a expectativa que outros se juntem à BOGA nos próximos dias.

Também Per Bolund, ministro do Ambiente da Suécia, deixou um apelo a que outros se juntem à aliança, afirmando: “A Suécia considera que a era fóssil é um parêntesis no tempo e tem de acabar agora.”

Já o ministro irlandês do Ambiente, Eamon Ryan, deixou uma pergunta: “É justo pôr toda a pressão do lado dos consumidores?” Os membros da BOGA entendem que não e por isso querem acabar com a produção e exploração.

Numa declaração enviada à comunicação social, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática português esclarece que, ao juntar-se à BOGA, Portugal “assume que não irá prosseguir quaisquer políticas de exploração de hidrocarbonetos no seu território”, assim como se compromete a prosseguir “a política já iniciada de eliminação de subsídios ao uso de combustíveis fósseis”.

Numa reacção ao anúncio da BOGA, a portuguesa Zero, em associação com a Rede Internacional de Acção Climática (CAN International), de que faz parte, considerou que a aliança “marca uma grande mudança após décadas de negociações climáticas na ONU ignorando a questão crucial de como eliminará o mundo gradualmente a produção de combustíveis fósseis que estão a causar a crise climática”. A associação ambientalista considera o lançamento da BOGA como “um ponto de inflexão positivo, mas uma mácula nas reivindicações de liderança climática por parte de países como o Reino Unido, Noruega, Estados Unidos e Canadá, os quais decidiram não fazer parte da aliança”.

Já a adesão de Portugal era “expectável”, considera a Zero, uma vez que o que ali se define é compatível com a Lei de Bases do Clima, recentemente aprovada, e “não implica esforços adicionais por parte do país na luta climática”.

Nuclear não sustentável

Portugal assinou esta manhã uma declaração conjunta, com a Alemanha, o Luxemburgo, a Áustria e a Dinamarca, no sentido de retirar a energia nuclear da lista de energias sustentáveis da Taxinomia europeia, o sistema de classificação nessa matéria. Os cinco Estados dizem reconhecer a soberania dos países para decidirem integrar a energia nuclear nos seus sistemas energéticos, mas dizem temer que a integração da energia nuclear na Taxionomia “prejudicaria permanentemente a sua integridade, credibilidade e, por isso, a sua utilidade”.

Os subscritores, que enfrentam a oposição nesta matéria de outros Estados, como a França, apelam à União Europeia para que “não prejudique o caminho corajoso que tomou em tornar-se o líder do mercado global em finanças sustentáveis”, considerando a energia nuclear como sustentável.

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