A educação como desígnio nacional

Estamos há décadas a delapidar o sistema educativo, não faltando avisos, e ao mesmo tempo a exigir cada vez mais dele.

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"A escola tem de se focar no essencial e fazê-lo bem, sem tarefas acessórias que dificultam a execução, com níveis de excelência, da primeira" Diego Nery/Arquivo

Absolutamente sem rumo. Absolutamente sós. Absolutamente sem sabermos o que querem de nós! É assim que me sinto, é assim que sinto a comunidade escolar, desolada.

Os problemas da educação não fazem parte da agenda política. No Plano de Recuperação e Resiliência, a educação contou pouco; no Orçamento do Estado menos ainda; nas autárquicas, assumindo que neste ou naquele concelho possa ter entrado nas prioridades, manifestamente pouco.

As políticas educativas são muito pouco consistentes, por serem sobretudo assentes em projectos temporais com resultados, quando aferidos, bastante residuais. Estamos há décadas a delapidar o sistema educativo, não faltando avisos, e ao mesmo tempo a exigir cada vez mais dele. Não consigo entender que ideia peregrina é esta de achar que desinvestindo por um lado e exigindo por outro se pode esperar resultados diferentes.

Chego à conclusão que não há estratégia de fundo para a educação, de ninguém de nenhum partido, pelo menos conhecido. Lançam-se anúncios de milhões para a educação, com a contratação de pessoas que ninguém sabe se são mesmo necessárias e que impacto vão ter, contratam-se professores para projectos ao invés de o fazer sustentadamente para melhorar o sistema, desde logo reduzindo o número de alunos por turma.

Não vamos lá com o lançamento constante de programas especiais, ou planos plurianuais que terminam sem saber quais os impactos dos mesmos. Temos de agir estruturalmente.

Os problemas do sistema educativo estão identificados, revisitemos os principais:

  • A indisciplina escolar. O último estudo da OCDE aponta para que os controlos do comportamento dos alunos ocupem, em média 25%, ou seja um quarto do total das aulas no ensino básico. Despende-se apenas 73% em actividades de ensino, das médias mais baixas da OCDE.
  • A constituição de turmas. Aceitando legalmente as turmas mistas/multinível assim como com um número de alunos acima do desejável estamos a assumir que criamos logo aí um entrave à aquisição de aprendizagens conforme nos indica a investigação em educação que refere que as turmas com menos alunos geram por si só mais sucesso com qualidade. Sobre as turmas multinível, o próprio Conselho Nacional de Educação reconhece que tal facto é impeditivo de mais sucesso escolar.
  • Desvalorização social da classe docente. Proletarização e burocratização da profissão. A autoridade do professor decai há muitos anos, sem que nada seja feito, os episódios de violência de pais e alunos contra professores repetem-se e são um forte sinal dessa desvalorização. A tutela desvaloriza constantemente e apelida-os de residuais. Sobre a burocratização, o próprio Conselho Nacional de Educação reconheceu que os docentes têm tarefas que não se compaginam com a condição docente e indica que é urgente e necessário recentrar a missão docente no essencial, ensinar.
  • O desvirtuar da função da escola. Ensinar versus suporte socioeconómico. Ficou bem patente, com a pandemia, que as escolas não fecham porque se tornaram enormes espaços multifunções, em que a função assistencial se sobrepõe à educativa. Sem as escolas, não há ​qualquer outro tipo de “rede social” funcional. Sem as escolas, o país entra em colapso.

Dito isto, queria deixar algumas ideias que considero necessárias para que se reforme seriamente o sistema educativo português:

  • Elevar a educação atribuindo à escola a sua função primordial: ensinar. A escola tem de se focar no essencial e fazê-lo bem, sem tarefas acessórias que dificultam a execução, com níveis de excelência, da primeira.
  • Valorizar socialmente a autoridade do professor como combate a indisciplina. Só reforçando o papel social do professor enquanto agente educativo é que se poderá combater a indisciplina em meio escolar. Valorizar a profissão de professor, remunerando condignamente, dando condições de carreira igualmente dignas, melhorando a vida profissional de uns, automaticamente está-se a resolver a falta de candidatos. Reformular integralmente o plano de estudos e respectivos conteúdos disciplinares. Promover a igualdade dentro da escola reforçando o sistema com recursos humanos especializados e equipas multidisciplinares (professores, psicólogos e técnicos de serviço social) para que se possa concretizar a inclusão sem que se prejudiquem os demais, resolvendo assim as carências sistémicas do sistema. Rever o diploma de constituição de turma eliminando a possibilidade de se formarem turmas mistas e numerosas.
  • É necessário apelar aos partidos políticos para que contemplem nos seus programas de governo uma reforma estrutural para a educação, se não quisermos continuar a ver a degradação de uma escola pública cada vez mais desfasada da privada.
  • É necessário desenhar um plano sério e consensual. A escola enquanto elevador social. A escola não tem só de servir refeições e incluir a todo o custo. A escola tem de oferecer qualidade, rigor, exigência e sobretudo dar a possibilidade a qualquer aluno que a frequente de se sentir no direito de alcançar o sucesso independentemente da sua origem social e geográfica.

Qual o partido que terá coragem de colocar no seu programa eleitoral a educação como um desígnio nacional e mostrar que quer de facto reformar estruturalmente. É preciso coragem. Quem a terá?

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