Cientistas de Coimbra usam bactérias para impressão a quatro dimensões

O projecto “abre portas a um sem-número de aplicações, desde a medicina até aos transportes e sector têxtil”, considera a equipa envolvida no trabalho.

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Ana Paula Piedade e Catarina Pinho, investigadoras envolvidas no projecto DR

Cientistas da Universidade de Coimbra (UC) desenvolveram materiais usando bactérias como fábricas de matéria-prima para impressão a quatro dimensões (4D), tecnologia que produz objectos que mudam de forma com o passar do tempo, foi anunciado esta segunda-feira.

Em comunicado de imprensa, a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) explica que os investigadores decidiram utilizar as bactérias como “ferramentas vivas na produção de celulose, um polímero natural altamente versátil”, para ser utilizado na impressão 4D. Sublinhando que o projecto “abre portas a um sem-número de aplicações, desde a medicina até aos transportes e sector têxtil”, o comunicado adianta que a impressão 4D “surge a partir da impressão 3D [três dimensões], acrescentando a dimensão tempo, permitindo imprimir objectos tridimensionais inteligentes, ou seja, objectos que, com o tempo e mediante estímulos externos, como a temperatura, luz ou pH, entre outros, mudam de forma”.

Citada na nota, Ana Paula Piedade, investigadora do Centro de Engenharia Mecânica, Materiais e Processos da FCTUC, responsável pelo projecto, sustenta que este começou pela identificação das bactérias com capacidade para produzir a celulose necessária à impressão 4D, um trabalho realizado pela equipa de microbiologia ambiental da UC, que, para tal, recorreu à Colecção de Culturas de Bactérias da Universidade de Coimbra.

“Através da análise genómica, o grupo de microbiologia identificou as bactérias que possuem genes para a produção de celulose. Foi então escolhido um conjunto de bactérias, que foram posteriormente caracterizadas e testadas, tendo sido seleccionadas duas estirpes”, explica Ana Paula Piedade. A “fábrica de bactérias” iniciou, então, a “laboração”, até os investigadores conseguirem “obter a celulose necessária para produzir um material que possibilitasse a impressão 4D”.

As celuloses obtidas foram, depois, misturadas com “polímeros dissimilares” (com propriedades diferentes de cada uma das celuloses produzidas), tendo a investigação, a partir daí, produzido materiais biocompósitos e desenvolvido os filamentos adequados à impressão a quatro dimensões. O comunicado frisa ainda que, para produzirem celulose, as bactérias “apenas necessitam de comida”, que podem ser resíduos alimentares. Por outro lado, a cientista esclarece que as bactérias usadas para o fabrico de celulose não são patogénicas.

O maior dos “desafios complexos”

A tecnologia agora desenvolvida é “sustentável, de baixo custo e amiga do ambiente”, já que 97% do material usado “fica na própria peça que é impressa, ou seja, o resíduo produzido é mínimo e, mesmo assim, esse resíduo pode ser usado para a produção de mais filamentos”, enfatiza Ana Paula Piedade. “Além disso, quer o material compósito quer a celulose são completamente biodegradáveis e biocompostáveis”, acrescenta.

O maior dos “desafios complexos” que os cientistas enfrentaram “foi, e continua a ser, conseguir a reversibilidade do material” produzido, ou seja, “garantir que o mesmo material, que assume diferentes formas mediante os estímulos externos, é capaz de, por si mesmo, voltar ao formato original”, relata a investigadora. Lembra ainda que a tecnologia de impressão 4D “permite que o material se transforme e regresse depois à forma inicial”.

O comunicado revela que foram impressos “com sucesso” diferentes tipos de objectos (não divulgados) assegurando que a investigação “abre portas a uma vasta gama de aplicações”. Entre estas, estão “dispositivos que possam actuar em locais onde não há electricidade, dispositivos capazes de mudar de forma consoante a solicitação mecânica que têm, roupas inteligentes para atletas de alta competição, que regulam a transpiração em função da temperatura ambiente e dispositivos biomédicos”, assinala Ana Paula Piedade. “Há um mundo de possibilidades”, adianta a cientista.

A fase seguinte da investigação vai centrar-se na concepção de estruturas para aplicações específicas, concretamente na “concepção de dispositivos que possam tirar vantagem” da impressão a quatro dimensões. “Vamos explorar diferentes abordagens para a fabricação de dispositivos 4D, pois é necessário pensar muito bem como é que vamos imprimir, definir a geometria do que se vai imprimir e optimizar processos que garantam o efeito de 4D”, sublinha Ana Paula Piedade. O projecto, que conta com a colaboração do Instituto Politécnico da Leiria (IPL), foi financiado em 250 mil euros pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e por fundos europeus do programa Compete 2020.

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