Nasceu um ballroom em Portugal, um espaço seguro para celebrar ”corpos marginalizados e queer

Nos anos 80 os ballrooms já abanavam Nova Iorque. A libertação de corpos segregados que, numa pista, mostram quem são através do voguing, do desfile, da pose, já chegou ao Porto. E Nala Revlon quer expandir a comunidade ao resto do país.

“Num ballroom podes ser aquilo que quiseres.” A frase é ouvida em Paris is Burning (1990), documentário que retrata o surgimento da cena drag e da dança vogue em Nova Iorque. Ouve-se falar de “house”, “mother”, “reading” ou “ballroom”; vêem-se pessoas racializadas, culturas marginalizadas, corpos segregados que, na pista, podem ser quem são. Pessoas que se organizam em “casas” — uma espécie de gay gang, como é explicado no filme, sendo as lutas travadas a dançar — e é nos ballrooms que essas disputas tomam lugar, em forma de desfiles, danças, poses.

Esta cultura underground juntava sobretudo pessoas afro-americanas e latino-americanas LGBTQ+ que competiam por troféus e glória nos balls. Eram avaliadas pelas performances de lip-syncing, desfile e, claro, pelo voguing, a dança baptizada em homenagem à revista Vogue, uma vez que muitos dos movimentos são inspirados em poses que as modelos usavam. Tudo isto fervilhava a todo o gás nos anos 80, nos Estados Unidos. E foi tudo isto que Nala Revlon quis aprender — e viver — para trazer para Portugal.

Saiu de Portugal há quatro anos para respirar a "ballroom scene" de Paris e trazê-la para cá. Para começar uma comunidade, um “safe space”, como lhe chama Sebastião Paz Costa, que faz parte dela. Já há treinos, e já houve uma Vogue Night — para já tudo no Porto, mas a ideia é “continuar a ter eventos regulares, treinos abertos, aulas, vogue nights e balls” e levar a comunidade ao resto do país. “O objectivo principal sempre foi ter uma comunidade que se possa expandir e que seja nossa”, explica Nala ao P3. “Cada dia temos mais pessoas a chegar. O foco vai ser sempre quem precisa mais. Corpos marginalizados, queer.” Depois de um encontro no Passenger Hotel, no Porto, a 9 de Outubro, onde o P3 testemunhou a liberdade celebrada na pista de dança, Nala prepara-se para, a 21 de Novembro, levar a Lisboa, ao Nada Temple, um pouco desta cultura, através de uma Vogue Night. Os treinos e as aulas são abertas a quem quiser participar. As chamadas e as informações são dadas através do Instagram de Nala ou da comunidade.

Mais do que a dança, prevalece no ballroom o espírito de comunidade. “A ballroom, por si só, espelha muito a realidade da sociedade e dentro dela expressamos as nossas necessidades e as nossas emergências”, afirma Lucas Moraes, um dos participantes. Os bailes são o momento para “enaltecer corpos” muitas vezes pouco celebrados. É uma manifestação “política e social” feita a dançar, onde a representatividade, auto-expressão e segurança são palavras de ordem.

"Acho que estamos nesta fase de dar voz, de dar espaço a todas estas manifestações que sempre foram altamente periféricas e segregadas. É muito mais do que uma dança. É toda uma comunidade de vida”, resume, por sua vez, Pini. No final da sessão escuta-se: “Se te sentes desconfortável no mundo exterior, a ballroom é o teu espaço”. Está dito. A festa está só a começar.