Coimbra, um executivo de lentes

Os principais protagonistas do executivo municipal são oriundos de um mundo que sempre se entendeu como autónomo e superior ao poder autárquico, não considerando, tantas vezes, as consequências das sua decisões no tecido urbano e na vida dos seus cidadãos.

As últimas eleições autárquicas foram férteis em novidades. O caso de Coimbra é um exemplo particular, que merece reflexão pelas consequências não só a nível da política local mas também pelas implicações institucionais, concretamente no que se refere às relações entre o poder municipal e o poder académico/universitário.

É que no que toca à política local o resultado veio evidenciar a crise dos partidos políticos, de forma evidente dos dois partidos maioritários que têm alternado no governo do município. 

O PS foi derrotado no dia das eleições e o PSD muito antes, quando a sua direção nacional escolheu um candidato fora do partido, contra vontade dos militantes locais e que havia sido não só concorrente daquele partido em eleições anteriores, mas também concorrente a nível de oposição, no anterior mandato autárquico, em que se demarcava frequentemente das posições assumidas pelos então autarcas do PSD.

Agora, se o PS enfrenta a necessidade de se preparar para os desafios de ser oposição responsável e de se renovar na perspetiva das próximas eleições, o PSD local vive o drama de apoiar e defender um antigo adversário e um executivo que lhe foi imposto de fora.

Mas há ainda outras singularidades no governo de Coimbra, uma cidade que passou a ser governada pela sua Universidade, que desceu à Praça 8 de Maio, para dela tomar conta, como nunca antes tinha acontecido.

Na verdade, sendo o atual executivo composto por professores universitários pode-se dizer, com propriedade, que é um “executivo de lentes”.

Aliás, a primeira grande decisão do recém eleito presidente, tipicamente catedrática, relativamente à localização da nova maternidade – importa acabar com a falácia de falar numa maternidade, porque não se trata de construir qualquer maternidade mas tão só de expandir os serviços de obstetrícia do Hospital Universitário, sublinhe-se universitário -, a edificar dentro dos muros do hospital, corresponde à vontade universitária.

É sintomático que o novel presidente da Câmara defenda a transformação do Hospital dos Covões – obra iniciada com o apoio da comunidade portuguesa no Brasil, fugindo assim, na sua génese, ao enquadramento e vontade da Universidade – num centro geriátrico.

Vamos, portanto, assistir com curiosidade a um novo paradigma de administração municipal, em que os principais protagonistas são oriundos de um mundo que sempre se entendeu como autónomo e superior ao poder autárquico, esquecendo e não considerando, tantas vezes, as consequências das sua decisões no tecido urbano e na vida dos seus cidadãos. 

Na história do nosso municipalismo em democracia temos portanto esta novidade que não pode deixar de ser vista com atenção, tanto mais que o seu resultado também vai ter reflexos na imagem da Universidade, porque este é, sem dúvida, um executivo de lentes, que dali são originários.

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