Em defesa da justiça

Como muito bem diz Eduardo J. Couture, “da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. E o direito valerá, num país e num momento histórico determinados, o que valerem os juízes como homens”.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) é o orgão de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais. O seu presidente é, por inerência, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). No seu recente encontro anual, ocorrido, este ano, na cidade de Beja, o presidente do Supremo, Henrique Araújo, aproveitou a oportunidade para agradecer aos juízes-conselheiros jubilados, nomeados instrutores de alguns processos disciplinares, relacionados com situações funcionais complexas e de grande impacto público, bem como a sua disponibilidade, ao prescindir “da tranquilidade do estatuto da jubilação”. Aos referidos magistrados jubilados, o presidente do CSM deixou "um profundo agradecimento”, mas também um apelo: “Que continuem connosco na infindável tarefa de dignificação da Justiça portuguesa”.

Como é do conhecimento público, nos dois últimos anos, vários juízes foram expulsos, reformados compulsivamente ou suspensos das suas funções.

Os inquéritos às perceções dos portugueses, a respeito da justiça, realizados pelo Observatório Permanente da Justiça, tem revelado que estamos a viver a mais grave crise do sistema judicial português desde Abril de 1974. No cômputo dos 27 países da UE, Portugal está entre os cinco países com menos confiança na justiça.

O atual CSM tem atuado com total eficácia e transparência na gestão e disciplina dos juízes, ao contrário do que acontecia no tempo de Noronha de Nascimento, acusado muitas vezes de favorecimento e amiguismo no acesso dos juízes ao STJ e a outros cargos, como aconteceu, por exemplo, com o cargo de 1.º presidente do Tribunal da Relação de Guimarães. Neste caso, Noronha do Nascimento, através de fraude eleitoral, colocou, às suas ordens, na presidência da Relação Guimarães o seu amigo Lázaro Faria (cf. O meu livro Memórias do Tribunal da Relação de Guimarães. A reposição da verdade).

 Reconhecendo a má imagem da justiça junto da opinião pública, a Associação Sindical dos Juízes - sendo então seu presidente o desembargador António Martins - aprovou, (contra a opinião de Noronha do Nascimento), em 31/10/2008, um documento a que chamaram “Compromisso Ético dos juízes Portugueses”, onde constam “os princípios para a qualidade e responsabilidade dos juízes, assumindo, deste modo, no dizer de António Martins, a condição de guardiães dos valores e princípios para garantirem os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e os interesses destes na boa administração da justiça”.

Poucos anos depois, preocupado também com os casos graves imputados à conduta de alguns juízes, o Conselho Superior da Magistratura, na sessão do plenário, de 23/6/2020, aprovou um “Código de Conduta”. Nele são salientados os princípios da independência, imparcialidade, integridade, urbanidade, humanismo, diligência e reserva. Como norma de conduta refere-se ainda que “os magistrados judiciais “não se prevalecem da função judicial em benefício dos seus interesses pessoais, da sua família ou do seu círculo de amizades”, julgando os processos que lhes “forem aleatoriamente atribuídos, assegurando a igualdade das partes e demais intervenientes processuais”.

O magistrado, para assumir a plenitude da sua condição, tem de preencher certos pressupostos, cuja carência o inutiliza e destrói. Tem ele que ser um homem de reflexão, de equilíbrio, de formação permanente e capaz de acompanhar, objetiva e serenamente, as transformações da sociedade e do direito. O Centro de Estudos Judiciários tem uma importante função a cumprir a este respeito.

Com efeito, à necessidade de introduzir na justiça homens e mulheres capazes de julgar, acrescenta-se, com uma urgência que não é menos viva, a de retirar da justiça homens e mulheres incapazes de julgar com independência e imparcialidade os processos que lhe são atribuídos aleatoriamente.

Ninguém negará a premente necessidade de uma concreta e imediata evolução no ser e no modo da administração da justiça. É que de pouco servirá denunciar a crise de estruturas e carências de meios, se não denunciarmos também a crise dos seus servidores.

Como muito bem diz Eduardo J. Couture, “da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. E o direito valerá, num país e num momento histórico determinados, o que valerem os juízes como homens (cf. Introduccion al Estudio del processo civil, pag.76).

É precisamente nos momentos de perturbação e de crise que a justiça deve ser mais firme e haja a coragem de não hesitar na adoção de medidas que se impõem.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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