Como dormir melhor (mesmo com as horas trocadas)

Dormir bem não é algo com que nos devíamos preocupar só à noite, mas sim durante o dia. É um processo de 24 horas. O que fazemos durante o dia afecta a forma como dormimos, e vice-versa.

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Damir Spanic/Unsplash

Sou só eu que deprimo com a mudança de hora e a entrada no horário de Inverno? É sempre a partir deste domingo que sinto que entramos verdadeiramente no Outono, que os meses frios estão à porta e que começa a ser (ainda) mais difícil levantar da cama. É normal sentirmo-nos mais cansados e sonolentos, e boa parte da “culpa” é precisamente de os dias ficarem mais curtos. A falta de luz solar desregula os nossos ciclos de sono e, por isso, é natural dormirmos pior.

Regra geral, deveríamos dormir entre sete a nova horas todas as noites. Mas não é geralmente isso que acontece. Neste mundo em que vivemos, sempre a mil à hora, é muito frequente recorrermos a estimulantes durante o dia (como o café) para nos aguentarmos, e depois dependermos de relaxantes (medicação) à noite para conseguir dormir. Aquilo que devia ser uma prioridade — o sono — deixa de o ser, porque o dia tem 24 horas, mas nós sentimos que precisávamos de muitas mais para tudo o que temos de fazer.

Mas é assim tão importante dormir bem? Mais do que imagina. Durante as horas que dormimos, o nosso corpo não está a gastar a energia habitual de que precisa para se mover, digerir ou alimentar o funcionamento do nosso cérebro. Isto faz com que essa energia seja canalizada para outras funções, como a eliminação de toxinas, a produção de hormonas ou o combate a infecções. Quando não dormimos tanto quanto deveríamos, o nosso corpo não consegue completar estas tarefas. As toxinas acumulam-se, cria-se inflamação e desequilíbrios hormonais, potenciando problemas de saúde, como doenças cardíacas, diabetes, Alzheimer, cancro, depressão, etc..

Do mesmo modo, a privação de sono também não é amiga da balança. Quando ficamos a dever horas de sono à cama, sobem os níveis de grelina (a hormona do apetite) e descem os de leptina (a hormona da saciedade). Ou seja, temos mais fome e comemos mais. Além disso, o nosso corpo produz mais cortisol, a hormona do stress, que também aumenta o apetite. E claro que a nossa fome não é por brócolos e cenouras. Se sofre de problemas de sono, saiba que está longe de ser o único (20% do portugueses sofrem de insónia) e que não há nenhuma solução milagrosa à espera (nem mesmo a medicação). O que há é um conjunto de princípios e práticas que contribuem para uma boa “higiene do sono”.

Dormir bem não é algo com que nos devíamos preocupar só à noite, mas sim durante o dia. É um processo de 24 horas. O que fazemos durante o dia afecta a forma como dormimos, e vice-versa. Por isso, aqui ficam algumas sugestões para ajudar a dormir melhor. Se já tentou tudo e mais alguma coisa, talvez seja aconselhável procurar um especialista neste tema (vários hospitais e clínicas têm à disposição consultas do sono).

Criar um horário regular

Um dos segredos de uma boa rotina de sono é tentar deitarmo-nos e levantarmo-nos mais ou menos à mesma hora, todos os dias, incluindo ao fim-de-semana. Embora isso possa parecer irrealista para muitas pessoas, sobretudo para quem tenha crianças pequenas, tente fazer o melhor que conseguir.

Ao sermos regulares no horário de sono, o nosso corpo vai saber quando deve libertar as hormonas que nos acalmam para dormir e as hormonas estimulantes que nos ajudam a acordar de manhã. Quando chega a hora de dormir, sentimo-nos sonolentos e, quando chega a hora de acordar, acordamos naturalmente, muitas vezes sem necessidade de despertador e sem sono.

É frequente ficarmos até tarde a trabalhar ou a ver televisão, não dando prioridade ao sono. Isto confunde o nosso corpo. Tente ir dormir o mais cedo possível. E, mesmo que esteja longe do objectivo das sete a nove horas diárias, não desanime: tente adicionar, a pouco e pouco, mais tempo à sua noite (comece, por exemplo, por se deitar meia hora mais cedo).

Aproveitar ao máximo a luz solar

Boa parte da nossa capacidade de ter uma boa noite de sono depende da produção de melatonina, uma hormona que é libertada em resposta ao escurecer e que nos ajuda a adormecer mais rapidamente. O problema é que o estilo de vida moderno (e pior ainda nos meses frios que aí vêm) entra em conflito com o ciclo de melatonina. Não só apanhamos menos luz natural durante o dia (o que ajuda a regular esse ciclo), como abusamos das luzes artificiais, confundindo o nosso cérebro. É o sol? É de dia? Ele não consegue ver a diferença.

O ideal é tentar ter exposição solar logo de manhã e/ou à hora de almoço, para a nossa retina absorver a luz solar e o nosso cérebro desencadear o ciclo de melatonina. Por isso, abra as persianas e afaste as cortinas assim que acordar. Se puder, tome o pequeno-almoço num sítio com luz natural. Se gostar de madrugar, pode aproveitar para fazer algum exercício ao ar livre logo de manhã. Experimente almoçar na rua ou sair para passear um pouco depois da refeição.

Além de ajudar a dormir melhor, recebe um bónus: a exposição solar é a melhor maneira de o nosso corpo absorver vitamina D. E esta está associada não só a maiores níveis de melatonina e serotonina (uma hormona fundamental para a regulação do nosso humor), como é fundamental para o nosso sistema imunitário.

Desligar os aparelhos electrónicos à noite

Muitas pessoas têm televisão no quarto ou levam o telemóvel ou o tablet para a cama, às vezes até com a desculpa de se entreterem para conseguir dormir. O problema é que os equipamentos electrónicos interferem com a nossa capacidade de produzir a hormona do sono (a melatonina).

Por isso, a partir do anoitecer, deveríamos tentar limitar ao máximo as luzes LED fluorescentes e as luzes azuis artificiais dos nossos dispositivos. O ideal seria mesmo uma “dieta electrónica” de pelo menos uma hora antes de deitar. Alguns equipamentos permitem ajustar as definições para reduzir ou filtrar essa luz azul, e também há apps para isso. Há ainda óculos próprios que bloqueiam a luz azul, embora ainda não seja consensual a sua recomendação.

Sei que a sugestão de “dieta electrónica” é, talvez, a mais difícil de cumprir, porque estamos demasiado habituados a viver desta maneira. Mas que tal experimentar alternativas? Ler um livro, tomar um bom banho quente, ouvir música, jogar jogos de tabuleiro ou cartas, escrever num diário, são apenas algumas opções para substituir a tecnologia. Mais à frente, falo de outras.

Criar um ambiente favorável

Primeira dica: manter o quarto o mais escuro possível, para ajudar o corpo a produzir mais melatonina. Se não for totalmente possível (acontece, por exemplo, quando vamos de férias ou ficamos fora de casa), experimente usar uma venda.

A temperatura do quarto deverá ser também adequada e, se o ruído for algo que perturba o seu sono, convém pensar em soluções (usar tampões, por exemplo, ou arranjar janelas ou vidros duplos). Se o ruído vier do interior do quarto, mais concretamente do seu parceiro(a) que ressona, fica uma sugestão: dormirem em quartos separados. Não, não é o ideal. Mas é certamente melhor do que passar a vida a dormir mal (ou que um divórcio!).

Algo que também pode perturbar o nosso sono é o “lixo visual”. Evite ter “tralha” acumulada no sítio onde dorme. O quarto deve ser apenas para dormir (e outras actividades mais lúdicas, claro), não para ter equipamento de exercício físico, papeladas de trabalho ou roupa espalhada pelos cantos.

Esvaziar a cabeça

Estamos no sofá cheios de sono, vamos para a cama, mas o cérebro decide que é hora de começar a trabalhar. Começamos a pensar nos nossos problemas, ou no que temos para fazer no dia seguinte. Damos voltas e voltas, espreitamos o relógio, vemos o tempo a passar, e o stress de não conseguir dormir a aumentar. Quem nunca?

Fica uma sugestão: tente esvaziar a cabeça antes de ir para a cama. No quarto, tenha um caderno sempre à mão para tomar nota de tudo aquilo em que está a pensar ou a incomodar: aquela lista do que tem de fazer no dia seguinte ou simplesmente pensamentos e ideias que surgem e que não se quer esquecer.

Se mesmo assim, a cabeça não pára e o sono não vem, não force. Levante-se e procure fazer uma actividade que o ajude a relaxar, até ter sono (mexer no telemóvel, com vimos, não conta).

Moderar o álcool e a cafeína

Há quem beba um copo à noite para relaxar e dormir melhor mas, na realidade, o álcool pode interferir com a qualidade do sono durante a noite, aumentando a probabilidade de acordar a meio da noite e de ter dificuldade em voltar a adormecer.

Quanto ao café, há pessoas mais sensíveis que outras à cafeína. Ouço frequentemente: “Bebo café depois do jantar e consigo adormecer bem.” Mas o problema não está aqui. Muitas pessoas ingerem várias bebidas com cafeína ao longo do dia, para ter energia e contrariar a fadiga, e essa substância permanece no corpo durante largas horas, podendo perturbar os padrões de sono. Não se trata de não conseguir adormecer, ou até de não dormir sete ou oito horas, mas antes de ser difícil manter um nível de sonolência constante e, portanto, uma boa qualidade de sono.

Evitar comer e beber água antes de dormir

Fazer uma grande refeição antes de dormir pode comprometer uma boa noite de sono. O ideal é tentar não comer, pelo menos, duas a três horas antes de ir para a cama. A digestão requer energia e aumenta a temperatura corporal, dificultando a vida ao nosso corpo quando quer descansar.

Do mesmo modo, convém evitar beber água ou outros líquidos antes de dormir, ou vai acabar a interromper o sono para ir à casa de banho. Embora a hidratação seja importante, uma boa noite de sono é ainda mais, por isso concentre a ingestão de líquidos durante a manhã e tarde.

Praticar exercício físico

Este conselho está em praticamente todos os artigos que escrevo, seja a propósito de como ter uma vida saudável, da saúde mental, da perda de peso ou da fome emocional. O exercício físico é mesmo um game changer, a vários níveis, incluindo o sono.

Ter uma actividade física regular ajuda o nosso organismo a regular os ritmos circadianos, reduz os níveis de stress e produz as chamadas “hormonas da felicidade”, como a serotonina e a endorfina. Se não sabe por onde começar nesta história do exercício físico, encontra aqui algumas dicas. Tente apenas evitar actividades físicas mais intensas ao fim do dia, porque tendem a “despertar-nos”, dificultando a tarefa de adormecer à noite.

Criar uma rotina anti-stress

O stress é um dos principais factores que prejudicam o nosso sono e, por sua vez, a privação de sono (seja porque dormimos mal ou pouco) também amplifica o stress e reduz a nossa capacidade natural de lidar com ele. Ou seja, stress e sono alimentam-se mutuamente, num ciclo vicioso. Por isso, quando queremos dormir melhor, é fundamental percebermos onde estão os nossos focos de stress e procurarmos actividades que ajudem a libertá-lo. E, de preferência, implementarmos uma rotina com elas. O nosso corpo gosta de regularidade, lembra-se?

Pense: o que é que o acalma? Há várias opções: ler, escrever um diário, ouvir música, tomar um banho quente, beber um chá, fazer ioga ou alongamentos, dar uma volta ao quarteirão, praticar meditação ou fazer exercícios de respiração e relaxamento. São apenas algumas sugestões, não há uma receita universal, cada pessoa sabe (ou pode descobrir) o que funciona melhor para si.

Se tiver possibilidade, o ideal é criar uma espécie de rotina anti-stress antes de ir para a cama: por exemplo, beber um chá de camomila depois de jantar, tomar um banho quente e meditar. Isto permitir-lhe-á criar um hábito de relaxamento, que irá naturalmente induzir o sono. Não precisa de dedicar uma hora, se não a tem. Pode simplesmente dedicar dez ou 15 minutos. Qualquer tempo que conseguir é melhor que nada.

Acordar da melhor maneira

Não interessa apenas adormecer bem, mas também acordar bem. Aquele alarme histérico consegue realmente cumprir o seu propósito — fazer-nos saltar da cama —, mas não é de todo a forma mais agradável de despertar.

O ideal é ter um alarme cujo som ou música vá aumentando gradualmente. Há várias apps que oferecem soluções a este nível; e outras que medem os ritmos de sono e até nos despertam nos intervalos “certos”, ou seja, quando estamos numa fase mais leve do sono. Isso ajuda a que acordemos de uma forma mais tranquila, sem pôr logo em alerta as nossas hormonas do stress.

Vários especialistas do sono têm alertado para a associação entre o snooze e o fenómeno da inércia do sono: ao adiarmos mais dez ou 20 minutos o despertador, o nosso corpo pode entrar num novo ciclo de sono, mas não tem tempo de o completar. Acordamos novamente, de forma abrupta, e num estado de sonolência e desorientação (a chamada inércia do sono), que muitas vezes se arrasta ao longo do dia. Por isso, quando o despertador tocar, resista à tentação de continuar a dormir e levante-se mesmo. Nada como um pouco de movimento, e, se possível, de luz solar, para acordarmos.

Finalmente, fica uma última dica: abandonar a necessidade de controlo. Infelizmente, não controlamos o nosso sono, tal como não controlamos toda uma série de variáveis na nossa vida. Retirarmos esse peso de cima dos nossos ombros pode ajudar, sobretudo quando já tentámos mil e uma coisas e nada parece resultar.

O nosso corpo está feito para dormir, mas não podemos querer que tenha um botão de on/off. Dormir melhor implica saber ouvir o nosso corpo e respeitá-lo, mexendo naquilo que realmente podemos controlar: os nossos comportamentos e o nosso ambiente. São estes que podem fazer a diferença nas horas que passamos na cama.


Health coach, autora do projecto About Real Food

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