Coimbra B, a cidade “misteriosa e negra” de Bruno Silva

©Bruno Silva
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“Em Coimbra, à noite, não é preciso andar meia hora para encontrar um estudante caído no chão”, conta ao P3 o fotógrafo portuense Bruno Silva. “É uma fotografia típica de Coimbra”, refere, aludindo a uma das imagens que compõem o projecto Coimbra B, que está até 30 de Outubro em exposição na galeria Adorna, no centro do Porto, ao abrigo do festival Encontros da Imagem. Não é, porém, o retrato típico de Coimbra que Bruno revela nas imagens que realizou ao longo de mais de dois anos. “Parte do ponto de vista pessoal e interpretativo, não ilustrativo”, sublinha.

Bruno Silva quis afastar-se da "fotografia postal" conimbricense – da beleza do Mondego, da imponência do campus universitário, da nostalgia que exalam as pedras da calçada de ruas e vielas da cidade. “Esses elementos estão presentes, mas de uma perspectiva aproximada, subjectiva”, sublinha o fotógrafo. Preferiu retratar antes “a sua” Coimbra, aquela que lhe ficou guardada na memória dos tempos em que, também ele, entre 2005 e 2008, foi habitante da cidade. “Nessa altura conhecia dezenas de pessoas. Quando regressei, percebi que todas elas se tinham ido embora e que a presença nas ruas foi substituídas pela de estranhos.”

A passagem do tempo, as idas e partidas (tão associadas à estação de comboios que dá nome ao projecto), as saudades, o vazio, estão, subliminarmente, presentes nas imagens do fotógrafo. “O meu regresso foi agridoce”, refere em entrevista. “Nas minhas inúmeras deambulações pela cidade, reconhecia os lugares que me eram familiares, mas os rostos não eram os mesmos. Tive de apropriar-me de novos rostos para pontuar o trabalho.” Um dos retratados é Valdemar Caldeira, que faleceu dois meses após o registo de Bruno. “Encontrei-o numa das minhas caminhadas. Ele tinha uma presença muito forte, uns olhos azuis intensos. Em conversa, percebi que foi, em tempos, professor na Universidade de Coimbra.” O fotógrafo conta que, em vida, o professor doou todos os seus bens a instituições de caridade e que adoptou um estilo de vida frugal, “nos recursos mínimos”. “Um homem que nasceu no seio de uma família abastada optou por acabar os seus dias a dar explicações gratuitas em casa. Percebi, mais tarde, que era uma pessoa muito conhecida na cidade.”

As histórias das pessoas com quem se cruzou são importantes para si. “Dão mais força a este trabalho”, diz. A loucura da vida académica, pontuada por imagens realizadas no campus universitário e em encontros de estudantes, também está bem presente em Coimbra B. A essa loucura estão associadas as paixões, o sexo, também patente nas imagens. “O ano 2005 foi marcante, para mim, a esse nível, motivo pelo qual senti necessidade de incluir imagens dessa índole.”

O fotógrafo não espera que o conimbricense se reveja na sua Coimbra. “Não cumpro expectativas”, assume. “Este trabalho tem uma estética forte, negra, mas não mostra uma Coimbra decadente. Talvez um pouco mais desgastada.” Quis fixar uma Coimbra intemporal, que sobrevivesse à passagem dos anos, sem referências que pudessem associar-se a uma era. “Procurei deixar de fora os telemóveis, os carros, objectos deste tempo. A mancha negra que cobre grande parte das imagens, que têm um contraste forte, ajudou-me a recortar a realidade, a escondê-la, a torná-la mais misteriosa.”

O fotógrafo foi profundamente influenciado pelos diários de Miguel Torga ao retratar “a sua” Coimbra. “As esquinas, as casas, as árvores, os vultos são elementos deste projecto que devem muito a sua presença à obra do escritor, que era um crítico da cidade e da sua academia.” Coimbra B inclui também um auto-retrato, “uma nota hitchcockiana”, brinca. “Este projecto é sobre mim, no fundo, sobre a minha visão destes lugares e pessoas.” O auto-retrato foi realizado no dia do seu aniversário. “Fazia 36 anos, para mim um número simbólico por marcar o final de um rolo fotográfico de 35 milímetros. Fotografei-o sobre fotograma 36 do rolo e teve o tempo de exposição de 36 segundos.”

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