O Prochlorococcus marinus, a COP26 e todos nós

O nosso planeta está a viver uma crise ambiental, uma “emergência tripla”, sem precedentes – alterações climáticas, poluição, crise da biodiversidade.

Começo por apresentar o Prochlorococcus marinus. Trata-se da mais pequena de todas as espécies de organismos fotossintéticos conhecidas, uma microscópica cianobactéria marinha pertencente ao picoplâncton (organismos que medem 0,2 a 2 mm!), tão pequena que até há pouco tempo era desconhecida dos cientistas e que se pensa produzir até 20% de todo o oxigénio da Terra. Dito por outras palavras, pensa-se que o Prochlorococcus marinus produz cerca de 1/5 do oxigénio que respiramos, ou seja, fornece o oxigénio que respiramos numa em cada cinco inspirações. Dito ainda de outra forma, é por causa do Prochlorococcus marinus que a nossa vida – a sua, a minha, a de cada um de todos nós – é possível (experimente, enquanto lê estas linhas, respirar apenas quatro em cada cinco vezes). De facto, estima-se que mais de metade do oxigénio que respiramos (entre 50-80%) seja produzido no oceano, onde o Prochlorococcus marinus parece ter o papel principal.

Mas o oceano de que o Prochlorococcus marinus depende, a fábrica de oxigénio do planeta, a fonte de proteína e subsistência de uma enorme parte da população humana mundial, está em perigo, ameaçado pela poluição de origem humana, como a que é gerada pela nossa continuada e quotidiana queima de combustíveis fósseis. Os gases com efeito de estufa resultantes aquecem a atmosfera e também o oceano, alterando e afectando o seu funcionamento de muitas formas que se reforçam e amplificam mutuamente. A biodiversidade marinha é particularmente afectada por esta crescente degradação do seu meio ambiente, cada vez mais quente, com menor quantidade de oxigénio dissolvido e mais ácido – e ainda mais cheio de plásticos e de outros poluentes. Debilitada por todas estas e outras pressões, a biodiversidade marinha está a perder a capacidade de nos continuar a proporcionar bens e serviços que são vitais para a nossa existência e sobrevivência. Trata-se não apenas de uma crise à escala global, mas também de uma verdadeira emergência planetária – para todos e para cada um de nós – e que requer acção correctiva concertada e urgente – de todos e de cada um de nós.

Por tudo isto, nenhum de nós pode ficar indiferente à próxima cimeira do clima, que continuará a construir sobre o Acordo de Paris, alcançado em 2015 na COP21. Esta 26.ª Conferência das Partes dos 197 membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP26), que decorrerá em Glasgow já de 31 de Outubro a 12 de Novembro, tem como um dos principais objectivos alcançarmos a neutralidade carbónica até 2050. Isto significa atingirmos, no mínimo, um balanço neutro entre emissões e sequestro de gases com efeito de estufa, o que só se pode fazer de duas maneiras principais: minimizando todas as emissões destes gases resultantes das actividades humanas (entre as quais se destaca o consumo de combustíveis fósseis) e garantindo à natureza o espaço para que possa desempenhar da melhor forma possível a miríade de papéis que constituem o nosso suporte de vida neste planeta, nomeadamente a captação desses gases. O projecto “Half Earth, que pretende salvaguardar metade do nosso planeta, em terra e no mar, “para o resto da vida”, tentando assim, proteger pelo menos 85% da biodiversidade, i.e., de todas as espécies existentes, é, possivelmente, a mais importante e ambiciosa iniciativa global nesse sentido.

O nosso planeta está a viver uma crise ambiental, uma “emergência tripla”, sem precedentes – alterações climáticas, poluição, crise da biodiversidade. O nível de ambição e de compromisso de acção transformativa concertada e global que temos que alcançar para travar e inverter a situação actual também não tem paralelo em qualquer outro momento da história humana, pelo que temos que o exigir aos nossos governantes e a nós próprios, reinventando-nos quotidianamente enquanto agentes activos de transformação.

Não se trata de uma questão de opção política ou de uma qualquer preferência ideológica e também não se trata apenas de salvar o planeta. Trata-se de uma luta, que tem que ser conjunta e global, pela nossa própria sobrevivência, para nos salvarmos, a nós próprios e enquanto humanidade. E não temos alternativa – o que achou de respirar apenas quatro em cada cinco vezes?

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