É o centro, estúpido

O que dizer, quando, em tempos decisivos, haja tamanha urticária nacional a acordos entre partidos que são os únicos capazes de executar as reformas de que precisamos?

Já em setembro de 2019, poucas dúvidas deveriam restar quanto a uma suposta manutenção da autonomia programática e estratégica de um dos partidos da “geringonça”. Na altura, escrevi sobre alguns desses equívocos e um ou outro equivocado à esquerda.

Percebia-se que em nome de um programa de centro, tanto o PCP, mas sobretudo o Bloco de Esquerda – até porque as pretensões eram outras, queimaram grande parte das suas bandeiras até então. Num enquadramento europeu e fazendo Portugal parte da União Europeia, dificilmente poderia ser de outra forma. Passados os primeiros anos da “geringonça”, o Bloco tinha duas opções: ou se moderava, ou definhava. Contrariamente ao Podemos em Espanha que recebeu logo das mãos do PSOE a pasta de um ministério, numa solução posterior à portuguesa e que se veio a revelar desastrada desde o primeiro dia, diga-se, o PS nunca equacionou algo parecido. Desse facto, agradeceu Mário Centeno, a maioria do país e as contas certas que serviram em parte de símbolo económico ao atual executivo, do qual este, até hoje, não abdicou. Sem qualquer pé ou mão no Governo, nem a vontade expressa mais tarde e mais do que uma vez por Francisco Louçã de ver Mariana Mortágua nas Finanças teve qualquer eco ou resposta à mudança de paradigma para o Bloco.

Neste contexto e para além do facto de não ter remodelado com urgência maior alguns dos ministérios e secretarias de Estado há largos meses, o maior erro político do primeiro-ministro, até eleitoral, foi a forma como, a partir de um governo minoritário, colocou de parte e destratou qualquer entendimento futuro com o centro-direita. Um sinal de que começa também a estar entranhado em Portugal uma espécie de alergia aos acordos entre partidos ao centro e que não deixa de ser preocupante e surpreendente. Quando uns e outros sempre estiveram mais próximos programaticamente do que dos partidos radicais ou que se encontram nos extremos. E sabendo-se que, umas vezes melhor e outras pior, o centro político sempre serviu como âncora e bússola do país democrático, enquanto outros partidos e movimentos nesse espetro foram-se criando, aparecendo e desconfigurando para os extremos nuns casos ou desaparecendo noutros, importará observar os países escandinavos que vivem na sua maioria com índices a ambicionar em várias áreas e governados quase sempre por coligações ao centro. Ou a Alemanha que se encontra a formar um governo entre socialistas liberais, sociais-democratas, liberais e verdes. Mas o que dizer quando em tempos decisivos e de aplicação de fundos europeus haja tamanha urticária nacional a acordos entre partidos que são os únicos capazes de executar em conjunto as reformas de que precisamos?

Veja-se ainda como num tempo em que a urgência climática e a ecologia estão na agenda do dia, em que apenas os partidos verdes mais “moderados” ganham expressão na Europa, não temos no país mais do que um partido satélite do PCP que dá pelo nome de “Os Verdes” e outro completamente descaracterizado da sua essência fundadora e sem uma mensagem política atual que se aproveite, “Partido da Terra,” que parece viver refém da extrema-direita, sem conseguir apelar ou chegar aos jovens!

A uns e outros, nem a ideia constatada que deu título a este artigo e que surge influenciada na sua adaptação por outra de James Carville relativa à economia, surtiria efeito. 

É o centro, estúpido(s)!

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