União Africana suspende Sudão por causa do golpe militar
Primeiro-ministro deposto foi libertado pelos militares. O líder da insurreição militar disse que derrube do governo interino foi justificado para evitar uma “guerra civil”.
A União Africana (UA) suspendeu esta quarta-feira o Sudão de todas as actividades da organização regional na sequência da deposição do governo interino e pediu a libertação imediata de todos os ministros e políticos presos.
O organismo explicou que a suspensão irá manter-se em vigor até que se verifique “a restauração efectiva” do governo interino civil que estava no poder há mais de dois anos. Apesar de ser uma decisão esperada, trata-se de mais um indicador de que o golpe do início da semana voltou a atirar o Sudão para o isolamento internacional.
Na terça-feira à noite, o primeiro-ministro sudanês, Abdalla Hamdok, deposto no início da semana pelo Exército, foi libertado. Hamdok era o líder civil do Conselho Soberano, o órgão que funcionava como governo interino do Sudão desde o derrube do ditador Omar al-Bashir em Abril de 2019, mas foi preso pelos militares na segunda-feira. Depois de se ter recusado a apoiar a iniciativa do Exército, o político e a mulher foram levados para um local desconhecido onde permaneceu mais de 24 horas.
O gabinete de Hamdok confirmou a libertação e especificou que o dirigente regressou à sua residência em Cartum onde se encontra sob “forte segurança”, mas revelou que outros membros do Conselho Soberano ainda se encontram detidos.
O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, conversou com Hamdok logo após a sua libertação e reiterou os apelos para que os restantes políticos civis sigam o mesmo exemplo.
Na segunda-feira, os militares liderados pelo general Abdel Fattah al-Burhan derrubaram o Conselho Soberano, afastando todos os dirigentes civis que o integravam. Burhan disse que a intervenção militar serviu para evitar uma “guerra civil” e rejeitou denominá-la como um golpe.
“A experiência dos últimos dois anos mostrou que a participação de forças políticas no período de transição é defeituosa e promove o conflito”, afirmou Burhan durante uma conferência de imprensa. O general prometeu a marcação de eleições para Julho de 2023.
A coexistência entre a facção civil e a militar mostrava sinais de desgaste há já vários meses, com o governo interino a denunciar uma tentativa de golpe pelo Exército aliado a sectores que permanecem fiéis a Bashir.
A tomada do poder pelos militares recebeu forte condenação a nível internacional. O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu o fim daquilo a que chamou de “epidemia de golpes de Estado”. “O povo sudanês mostrou muito claramente o seu desejo intenso de reformas e democracia”, acrescentou Guterres.
A interrupção do processo de transição política no Sudão pode fazer regressar o isolamento internacional a que a ditadura de Bashir, entre 1989 e 2019, havia votado o país africano. Os EUA anunciaram o congelamento de uma linha de ajuda financeira no valor de 700 milhões de dólares (603 milhões de euros) e a União Europeia disse estar a ponderar o mesmo.
No terreno, continuam as manifestações contra o golpe militar que têm ganho cada vez mais força. Esta quarta-feira, associações de trabalhadores da petrolífera estatal Sudapet e sindicatos de médicos anunciaram o apoio ao movimento de protesto e marcaram uma greve para forçar os militares a restituir o poder aos civis.
Para sábado está marcada uma grande marcha em Cartum que pretende atrair milhões de pessoas contra a intervenção militar, de acordo com as associações de moradores que a estão a organizar.
Desde segunda-feira que pelo menos dez pessoas morreram durante os confrontos com as forças de segurança que tentam reprimir os protestos. Várias ruas na capital e na cidade-gémea de Omdurman estão bloqueadas pelos manifestantes que têm erguido barricadas.