Erdogan recua na ameaça de expulsão de embaixadores

Alguns analistas vêem na acção uma tentativa de desviar a atenção de questões internas, quando a taxa de aprovação do Presidente turco e do seu partido estão abaixo dos 30%

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Erdogan depois de uma reunião do Governo em Ancara MURAT CETINMUHURDAR/Reuters

O que levou o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, a dizer que iria expulsar vários embaixadores, incluindo o dos Estados Unidos, e a logo reverter a decisão? Vários analistas dizem que o Presidente turco está a tentar concentrar atenções noutras questões que não as internas, e daí a ameaça, enquanto a mudança de posição se deverá dever ao seu anúncio ter levado a uma grande queda da moeda turca, a lira, e arriscado uma degradação da relação com aliados.

O pretexto para a ameaça de expulsão foi uma carta aberta assinada pelos dez embaixadores pedindo a libertação do empresário e filantropo Osman Kavala, 64 anos, detido há quatro anos. O Conselho da Europa disse já que vai começar um processo contra a Turquia se Kavala não for libertado, de acordo com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que em 2019 considerou que a detenção de Kavala era “arbitrária”.

Erdogan acusou então os embaixadores de interferirem nas questões internas da Turquia e anunciou ter pedido ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros que declarasse cada um dos embaixadores (dos Estados Unidos, França, Alemanha, Canadá, Finlândia, Países Baixos, Dinamarca, Nova Zelândia, Noruega e Suécia) persona non grata, e que os expulsasse.

A jornalista Durrie Bouscaram classificou logo esta afirmação como um passo “muito pouco habitual”, já que sete dos embaixadores eram da NATO, a que a Turquia pertence, e de alguns dos seus maiores parceiros comerciais na Europa, assim como países que investem muito na Turquia. A escala era “muito pouco habitual no mundo diplomático”, comentou ainda, ouvida pela emissora norte-americana NPR. A jornalista dizia também (antes da mudança de opinião de Erdogan) que as próprias embaixadas não tinham recebido qualquer notificação, e que “os riscos [da acção] para a economia turca eram muito grandes”, o que levava a dúvidas sobre o que iria de facto acontecer.

O que aconteceu de imediato foi a lira descer, atingindo recordes contra o dólar na segunda-feira (1 dólar valia 9,59 liras). E a economia é uma causa para a queda de popularidade de Erdogan e do seu partido conservador AKP: a queda da lira, que está a acontecer já há anos, é um dos problemas, diz a emissora alemã Deutsche Welle (DW), assim como a inflação que está neste momento a 20%, e a corrupção generalizada.

A queda da lira tem efeitos em importações de produtos dos quais a Turquia depende, e que estão a ficar cada vez mais caros, assim como empréstimos que muitos turcos contraíram em dólares, diz ainda a DW.

Internamente, Erdogan apresentou a alteração como um “recuo” dos embaixadores, que publicaram no Twitter declarações dizendo que cumpriam as convenções internacionais que impedem os diplomatas de interferir nas questões internas dos países onde estão deslocados.

“O nosso objectivo nunca foi criar crises, mas sim proteger os direitos, leis, a honra e a soberania do nosso país”, disse Erdogan na segunda-feira. “Acredito que estes embaixadores vão ser mais cuidadosos nas suas declarações em relação aos direitos soberanos da Turquia.”

Depois desta declaração, a lira reverteu as perdas que tinha sofrido desde o início da crise, fechando o dia ao valor anterior, disse a emissora Bloomberg.

E esta quarta-feira, foi noticiado na Turquia que Erdogan se iria encontrar com o Presidente dos EUA, Joe Biden, durante a cimeira do clima (COP26) em Glasgow. O assunto do potencial encontro será um programa de caças F-35, do qual a Turquia foi expulsa por Washington depois de ter comprado sistemas russos de defesa, ainda segundo os media turcos citados pela Reuters. Erdogan já tinha dito antes, nota a Reuters, que se iria encontrar com Biden na cimeira do G20 em Roma no final deste mês.

Questionado pelos jornalistas sobre o seu recuo, Erdogan disse que “era ofensivo” sugerir que tinha voltado atrás. “Como dei um passo trás? Eu estou na ofensiva”, afirmou.

A queda de popularidade Erdogan e do seu partido AKP (Justiça e Desenvolvimento) está a acontecer há vários meses, aponta a especialista em política turca Charlotte Joppien, da Universidade de Hamburgo, citada pela Deutsche Welle. A última sondagem da empresa independente Avrasya mostrava que desceram abaixo dos 30%. E junta, a oposição está com mais dez pontos percentuais: o partido kemalista CHP e o conservador nacionalista IYI estão com mais de 40%, e o partido pró-curdo HDP está com 10%.

Tudo isto leva o Presidente e o seu partido a poder temer perder as próximas eleições. A Turquia deverá ter eleições presidenciais e legislativas em 2023.

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