Direito de visita entre avós e netos

É muito triste e acarreta um enorme sofrimento aos avós perderem a possibilidade de ajudar a cuidar e a educar os netos, sendo, muitas vezes, relatado como uma dor indescritível, porque o tempo não volta atrás. É preciso dar voz a essa dor.

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No ordenamento jurídico português, os avós têm direitos relativamente ao convívio com os seus netos Paolo Bendandi/Unsplash

Os conflitos parentais de muitos casais decorrentes do processo de divórcio extravasam muitas vezes a família nuclear, atingindo outros familiares e conduzindo, por vezes, a um corte emocional e físico com a família alargada, quebrando os elos significativos entre as diversas gerações.

Infelizmente, numa situação de alienação parental, tal como um pai ou uma mãe podem ser alienados também os avós o podem ser, vendo-se desta forma, privados do convívio com netos, por vezes, por muitos anos, em virtude de conflitos associados à rutura familiar, sem qualquer justificação, situação a que são, muitas vezes, totalmente alheios, e que destrói a importante relação de parentesco e afetiva entre avós e netos.

Com o tempo, os avós geram com os netos afetos, cuidando deles, contando histórias do passado e do presente, brincando, indo levá-los e buscá-los à escola e às atividades extracurriculares... E, de repente, avós e netos são proibidos de estarem juntos. É importante que se possam encontrar estratégias para restabelecer os convívios.

A qualidade do tempo com os netos é um ingrediente essencial para a vida dos avós. Os netos desenvolvem com os avós, uma relação próxima de afetos e emoção e, nestes conflitos, muitos avós desenvolvem o medo de morrer, sem voltar a ver os netos. Muitos netos ficam profundamente tristes se devido aos conflitos do divórcio dos pais ficarem impedidos da presença dos avós que lhes transmitem afetos que transportam um sentimento de segurança.

No ordenamento jurídico português, os avós têm direitos relativamente ao convívio com os seus netos. O Artigo 1887.º-A do Código Civil refere que “os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com irmãos e ascendentes”. O que se acrescenta ao Artigo 1589.º que diz: “(…) o direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente…”. E ainda ao teor do Artigo 888.º/VII: “(…) a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós.”

Em casos de conflito entre os pais e os avós da criança, têm chegado aos tribunais portugueses situações em que uma avó ou um avô, privados do convívio e participação na vida com o seu neto ou neta, procuram legitimamente pedir a sua intervenção no processo judicial de regulação do poder paternal, a fim de ver regulamentado tal direito e fazer valer os direitos de visita, sendo-lhes fixado um regime de convívio com o seu neto ou neta, mesmo quando se verifica a oposição dos pais.

Assiste-se hoje de forma crescente à chegada aos tribunais de situações de privação injustificada de convívio e participação dos avós na vida dos netos, sendo cada vez maior o número dos avós que pedem à Justiça o direito a conviver com os netos.

A título de exemplo, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 10 de Abril 2018, reconheceu expressamente a existência de tal direito de visita: “1. O Artigo 1887.º-A, do Código Civil estabelece um direito de convívio entre avós e netos em nome das relações afetivas existentes entre certos membros da família e do auxílio entre gerações; 2. O convívio entre avós e netos permite uma integração numa família mais alargada, promove a formação e transmissão da memória familiar e do sentido de pertença, fortalece recíprocos laços de afetividade, correspondendo, presumidamente, a um benefício em termos de desenvolvimento e formação da personalidade das crianças, direito que se encontra consagrado constitucionalmente.”

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A qualidade do tempo com os netos é um ingrediente essencial para a vida dos avós Dusan Stankovic/Getty Images

No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 01 de Junho de 2010, refere que: “… [o] artigo 1887.º-A contempla expressamente o direito dos avós às relações pessoais com os seus netos, direito esse que apenas pode ser derrogado no caso de existirem razões justificativas que impeçam o exercício de tal direito. E essas razões, tal como se pode aferir pela própria redacção da lei e de acordo com o ónus da prova que da mesma decorre, têm de ser invocadas e provadas por quem entende que das mesmas deve beneficiar, no presente caso, os pais da menor. É certo que o amor e a criação de laços afectivos não se pode impor por decisão do Tribunal, mas não é menos certo que, sem conhecimento e convívio entre as pessoas, esses sentimentos também não se poderão desenvolver. Há que criar oportunidades e deixar que os relacionamentos sigam o seu destino. Essa é a leitura que se realiza do citado artigo 1887.º-A do Código Civil.”

A jurisprudência de tribunais da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça maioritariamente vêm reconhecendo a existência de um verdadeiro e próprio “direito de visita” dos avós relativamente aos seus netos. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos também tem recomendado o mesmo, baseado na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

É muito triste e acarreta um enorme sofrimento aos avós perderem a possibilidade de ajudar a cuidar e a educar os netos, sendo, muitas vezes, relatado como uma dor indescritível, porque o tempo não volta atrás. É preciso dar voz a essa dor. A sociedade não pode desvalorizar esta situação, em que os avós estão impossibilitados de estar com algum (uns) dos seus netos. Por seu lado, os avós nunca devem desistir de lutar pelos netos, vítimas de alienação, e devem procurar um apoio especializado, que permita ajudar a alcançar esse objetivo, para o bem-estar de todos.

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