Juízes não podem fazer julgamentos a partir de casa. Tribunais precisam da sua presença

“Formalismo e rituais não se mostram compatíveis com a condução dos trabalhos por meios de comunicação à distância”, avisa vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, anunciando atribuição de 600 mil euros do PRR para modernizar sistemas informáticos da justiça.

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Sousa Lameira, vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura Nelson Garrido

A relutância de alguns juízes em regressar ao trabalho presencial, preferindo continuar em teletrabalho ou num regime misto, voltou a estar esta sexta-feira no centro das intervenções do encontro anual do Conselho Superior da Magistratura, depois de o assunto já ter sido abordado na quinta-feira pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

“O formalismo e os rituais próprios da audiência de julgamento não se mostram compatíveis com a condução dos trabalhos por meios de comunicação à distância”, avisou o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Sousa Lameira, no discurso com que encerrou os trabalhos, citando as conclusões de um trabalho desenvolvido entre este órgão de disciplina dos magistrados judiciais e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses. “Que justiça proporcionaremos nós aos cidadãos se funcionários judiciais, advogados e magistrados estiverem todos em teletrabalho?”, interrogou. “Como poderia um juiz dirigir o seu tribunal se estivesse permanentemente em teletrabalho e a despachar por VPN?”. Quer na primeira instância quer nos tribunais superiores não será necessária a presença física dos juízes para a realização das diligências? – voltou a questionar.  

Num momento em que a justiça sofreu “um acelerado desenvolvimento tecnológico” forçado pela pandemia, este dirigente recordou que a justiça é feita por pessoas, e não por máquinas. “Não se pode afastar o factor humano da administração da justiça, pois só assim se consegue conciliar modernização com humanização”. Daí o tema deste encontro, intitulado “A (Des)humanização da justiça - tecnologia como meio e não como fim”. 

Segundo um estudo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra cujos resultados preliminares foram apresentados ontem neste encontro, a maioria dos juízes (84%) e dos magistrados do Ministério Público (67,4%) exerceu as suas funções exclusiva ou totalmente em regime de teletrabalho no primeiro confinamento da pandemia. Mas só 16,2% dos funcionários judiciais o conseguiram fazer.

Os avanços tecnológicos não dispensam a presença dos juízes nos tribunais, insistiu Sousa Lameira. Dito isto, e no sentido de melhorar as condições de trabalho dos magistrados, este conselho celebrou um contrato com a estrutura de missão responsável pela gestão do Plano de Recuperação e Resiliência a atribuição de 600 mil euros destinados assegurar a transição digital dos sistemas informáticos com que trabalha a justiça portuguesa.

Citando recentes declarações públicas da ministra da Justiça, Sousa Lameira mostrou-se confiante de que a temida avalanche de processos judiciais relacionados com despedimentos e insolvências resultantes da pandemia já não acontecerá, ao contrário do que era esperado. “O caos anunciado não se verificou”, congratulou-se. Mas entre os presentes no encontro de Beja há quem pense que esse impacto ainda está para vir, quando as moratórias terminarem de vez. 

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