PS e PSD corrigem lei que permitia acesso do MP a comunicações privadas sem autorização do juiz

Regra foi vetada pelo Presidente da República depois de considerada inconstitucional pelo TC por restringir “direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das comunicações e à protecção dos dados pessoais”.

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Adriano Miranda

O PS e o PSD juntaram-se para resolverem um problema criado pelo Parlamento sem que, aparentemente, os partidos tenham dado conta, e que permitia ao Ministério Público (MP) o acesso directo a comunicações privadas sem ordem de um juiz em processo de fraude e contrafacção. Esta regra, que já tinha sido vetada pelo Presidente da República depois de o Tribunal Constitucional (TC) a ter “chumbado”, foi agora retirada do diploma por proposta dos dois maiores partidos para que o decreto possa ser promulgado - e foi apoiada por todos os partidos, embora o CDS se tenha abstido.

A Lei do Cibercrime, que transpõe a directiva europeia “relativa ao combate à fraude e à contrafacção de meios de pagamento que não em numerário” e que acabava por definir um regime distinto do da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal, deriva de uma proposta de lei do Governo e foi aprovada em votação final global no Parlamento a 20 de Julho com os votos a favor do PS, PSD, BE, PAN, PEV, Chega e das deputadas não-inscritas, e a abstenção do PCP, CDS e IL.

Porém, apesar da aprovação pelo PS, o assunto não foi pacífico dentro da bancada socialista, com o deputado José Magalhães a levantar dúvidas sobre a sua constitucionalidade – chegou a ponderar pedir a avocação precisamente daquele artigo em plenário mas acabou por não se aperceber da marcação da votação final global - e a apelar, logo na altura, a que Marcelo enviasse o diploma para o TC.

No acórdão, os juízes consideravam que as normas que permitiam tal acesso ser o aval prévio de um juiz resultariam numa “restrição dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das comunicações e à protecção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática, enquanto manifestações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, em termos lesivos do princípio da proporcionalidade”. Por isso, poderia estar em causa uma “violação do princípio da reserva de juiz e das garantias constitucionais de defesa em processo penal”.

O dito artigo agora retirado constava da proposta de lei que transpõe a directiva europeia e tinha como objectivo “clarificar o modelo de apreensão de correio electrónico e da respectiva validação judicial”. Permitia ao MP ordenar ou validar a apreensão de comunicação “sem prévio controlo do juiz de instrução criminal”, o que faz com que a passagem dos dados pelas mãos de um juiz aconteça apenas depois de o Ministério Público analisar o respectivo conteúdo. 

Uma alteração que levou a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) a dar um parecer negativo à proposta por introduzir “restrições adicionais e não fundamentadas aos direitos, liberdades e garantias à inviolabilidade das comunicações e, reflexamente, à protecção de dados pessoais” e diz mesmo ser “insondável a razão da sua inclusão na Lei do Cibercrime”.

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