Presidente do Supremo Tribunal de Justiça agradece afastamento de juízes prevaricadores

Resistência de juízes a regressarem ao trabalho presencial preocupa Henrique Araújo, que não escamoteou a falta de condições de alguns tribunais.

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Da esquerda para a direita: Orlando Nascimento, Rui Rangel e Rui Fonseca e Castro PÚBLICO, LUSA

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, distinguiu esta quinta-feira o papel dos juízes responsáveis pela investigação dos comportamentos dos colegas que infringiram as regras que regem a magistratura.

Nos últimos dois anos, foram vários os casos de juízes expulsos, reformados compulsivamente ou suspensos: primeiro Rui Rangel e Fátima Galante, por suspeitas de corrupção e de venda de sentenças na sequência da Operação Lex, depois Orlando Nascimento e Vaz das Neves, por alegado envolvimento com os primeiros na distribuição fraudulenta de processos; e mais recentemente o surgimento no espaço público do juiz negacionista Rui Fonseca e Castro. Só os dois primeiros casos estão decididos em definitivo, tendo os restantes arguidos recorrido das punições disciplinares que lhes foram aplicadas.

“Uma das competências do Conselho Superior da Magistratura é agir no campo disciplinar, investigando e, se for caso disso, sancionando condutas de magistrados judiciais desrespeitadoras dos deveres funcionais a que estão adstritos”, recordou Henrique Araújo, que falava no encontro anual deste conselho, a decorrer na cidade de Beja. Em seguida, agradeceu a disponibilidade de juízes-conselheiros jubilados que, “prescindindo da tranquilidade do estatuto da jubilação, têm instruído processos de averiguações e disciplinares relacionados com situações funcionais complexas e de grande impacto público”.

A esses magistrados o presidente do Supremo deixou um “profundo agradecimento”, mas também um apelo: “Que continuem connosco na infindável tarefa de dignificação da Justiça portuguesa.”

Sem escamotear a situação de precariedade de instalações que subsiste nalguns tribunais, Henrique Araújo centrou parte da sua intervenção num assunto que de quase ou nada se tem falado, mas que está a preocupar os dirigentes da magistratura: a insistência de parte dos juízes portugueses em se manterem em teletrabalho, apesar da obrigação de regressarem ao trabalho presencial.

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Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça ANTÓNIO COTRIM/LUSA

“São agora visíveis, aqui e ali, alguns sinais de resistência ao regresso à actividade dos tribunais na configuração anterior à pandemia”, constatou. “Todavia, não podemos querer uma Justiça com tribunais transformados em locais ermos, ocupados por máquinas que se encarregam de trazer e fazer chegar aos destinatários as notícias sobre o desenvolvimento dos processos, com juízes e funcionários sistematicamente ligados a ecrãs nos mais diversos locais.”

O presidente do Supremo defendeu ser nos espaços físicos dos tribunais que se faz realmente justiça, por muito que alguns deles tenham deixado de oferecer “as mínimas condições de dignidade e conforto”, por se encontrarem degradados ou instalados em estruturas há muito provisórias.

“É nos tribunais que se manifesta um dos poderes soberanos do Estado. A presença do juiz no tribunal transmite confiança e segurança aos cidadãos através da percepção da autoridade que dele emana”, declarou.

Porém, existem magistrados que insistem em continuar a trabalhar em casa e continuar até a fazer até julgamentos à distância. No Supremo, Henrique Araújo viu-se na contingência de ter de determinar a obrigatoriedade dos julgamentos presenciais, à excepção dos casos devidamente justificados, como os juízes imunodeprimidos, por exemplo.

“No que diz respeito, em particular, às audiências de julgamento, não se descortina como é que a sua realização à distância pode dar cumprimento aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação. Sem a interacção pessoal dos vários intervenientes, própria da dinâmica do julgamento, é difícil atingir uma decisão justa e equitativa”, recordou. E apontou os riscos da generalização dos julgamentos à distância: o perigo de funcionalização da magistratura judicial. “A generalização da via virtual na actividade judiciária acabaria por dar força àqueles – felizmente poucos – que não desistem de ver definitivamente abolida a independência do poder judicial e dos tribunais”, concluiu.

Porém, nem todos pensam assim. Uma investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Vírgínia Ferreira, mostrou-se certa de que o teletrabalho não vai desaparecer: “Veio para ficar. E vai aprofundar-se”, declarou, no mesmo encontro do Conselho Superior da Magistratura, este ano dedicado ao tema “A (Des)humanização da justiça - tecnologia como meio e não como fim”. 

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