Correlação e causalidade

Será que que as pessoas ao verem mais filmes de Nicolas Cage ficam mais propensas a caírem em piscinas e se afogarem?

Peço ao leitor que faça o seguinte exercício. Imagine um gráfico sobre a evolução do número de filmes em que Nicolas Cage contracenou entre 1999 e 2009. Pense agora que traça uma nova linha com a evolução do número de pessoas que se afogaram numa piscina nos Estados Unidos, no mesmo período.

Depois de fazermos alguns ajustes na escala do gráfico, teremos uma grande correspondência entre estas duas variáveis: filmes em que Nicolas Cage contracenou e afogamentos em piscinas nos Estados Unidos. Para ser mais preciso, a correlação entre estas duas variáveis é maior que 0,66 (para um máximo de 1). Será que este facto significa que as pessoas ao verem mais filmes de Nicolas Cage ficam mais propensas a caírem em piscinas e se afogarem?

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De Nicolas Cage ao Prémio Nobel

Os detratores do Nicolas Cage poderão ficar tentados a responder “sim” à pergunta anterior. Contudo, é fundamental compreender a diferença entre correlação e causalidade. Normalmente, uma correlação implica somente que duas variáveis tenham um comportamento “relacionado”, mas não obriga a que haja uma ligação de causa-efeito.

No exemplo anterior podemos falar de correlação, mas dificilmente de causalidade. Para usarmos corretamente um argumento causal precisamos de recorrer a uma experiência controlada, usando grupos de tratamento, a quem é aplicada a medida que se quer examinar, e grupos de controlo, usados para medir com precisão o impacto dessa mesma medida. Contudo, este tipo de abordagem é difícil de realizar na prática em muitas áreas da sociedade, por exemplo, na economia. Imagine-se que queria testar o efeito da descida de impostos. Deixaríamos metade da população na situação atual e outra metade sem pagar impostos?

O Prémio Nobel da Economia de 2021 foi atribuído aos economistas David Card, Joshua Angrist e Guido Imbens que exploraram “experiências naturais” e examinaram o impacto económico no mundo real de diferentes medidas, como o impacto do aumento do salário mínimo. Neste tema em particular, Card comparou o crescimento do emprego em dois estados após a subida dos salários num deles. O estado da Pensilvânia foi o grupo controlo para a “experiência”, enquanto o estado de Nova Jersey sofreu aumento do salário mínimo. O resultado, contraintuitivo, que observaram foi que o aumento do salário mínimo teve muito pouco ou nenhum efeito negativo sobre o número de empregos.

Para além da economia

Intensificada pela abundante existência de dados nos mais diversos setores da sociedade, a exploração das “experiências naturais” tem sido extensivamente usada na economia e em outras áreas, como a gestão. Hoje é possível medir com rigor efeitos mais mundanos como, por exemplo, o impacto da primeira compra online de um cliente que só tenha visitado as lojas físicas de um retalhista, ou precisar a relevância do aumento nas vendas na remuneração variável num grupo de vendedores.

Este ano a atribuição dos Prémios Nobel teve, pelo menos, duas surpresas. Na Literatura, tivemos um autor - Abdulrazak Gurnah - que era desconhecido mesmo da crítica literária. Na Economia, tivemos a atribuição de um prémio a uma metodologia de investigação e não a uma descoberta em concreto. O poder desta metodologia permite-nos compreender com maior rigor a causalidade e impacto de diferentes medidas e, assim, informar os decisores políticos e os gestores das organizações do melhor caminho a seguir. Mãos à obra!

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