Pelo sonho é que vamos

Foram lançados este mês oito livros sobre plantas. É o culminar de um trabalho iniciado há 20 anos por estudantes universitários de Biologia, apaixonados pelas plantas e movidos por um sonho.

Neste mês de Outubro, a botânica em Portugal teve um dia marcante. Foram lançados oito livros sobre plantas, de diferentes autores, incluindo a sistemática, estrutura, biologia, evolução, sítios de maior interesse botânico e mesmo um guia de bolso. Foi um esforço hercúleo, liderado por jovens botânicos que souberam dialogar e estimular investigadores de diferentes idades e formações e motivar o financiamento da Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do programa Lisboa, Capital Verde Europeia. Esta “Colecção Botânica”, editada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, é o culminar de um trabalho iniciado há 20 anos por estudantes universitários de Biologia, apaixonados pelas plantas e movidos por um sonho: incentivar as pessoas a saber reconhecer as espécies no campo. Tal como Sebastião da Gama transmite no seu poema, “Pelo sonho é que vamos”, bastou a vontade, a esperança, a alegria, para os levar a sonhar alto e arrastar outros, levasse o tempo que levasse.

Os cursos de Flora Mediterrânica, com cinco edições, foram um primeiro passo para este sonho. Com eles e através deles foram beneficiadas centenas de pessoas, desde professores a técnicos, que, durante uma semana intensiva, entre os feriados do 25 de Abril e 1 de Maio, chegavam à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para poderem participar e aprender a identificar as espécies com trabalho de laboratório e visitas de estudo no campo. Num período de feriados, por vezes coincidente com época de férias da Páscoa, toda a logística burocrática que normalmente constituem barreiras intransponíveis, era compensada pelo apoio incondicional de professores e técnicos da Faculdade, que asseguravam a abertura, a segurança e disponibilização de espaços. E tudo se passou sem incidentes, movidos apenas pela alegria de levar o conhecimento a outros.

Como a única alegria está no começar, segundo o escritor italiano Cesar Pavese, seria de prever uma desistência, depois de obra sucedida e acabada. Pelo contrário, mesmo com ventos contra na prossecução do seu sonho, os jovens uniram-se, formaram uma associação - a Sociedade Portuguesa de Botânica - e lançaram um portal da flora, ainda disponível e cada vez mais completo e organizado, com a mesma atitude e perseverança do início: transmitir gratuitamente o conhecimento do nosso património vegetal. Demonstrou um serviço altruísta da Sociedade para a sociedade como oportunamente referi.

Ao longo dos últimos dez anos estes estudantes passaram a jovens adultos, a grande maioria sem emprego fixo, com bolsas ou afins e, apesar de tudo, não desistiram. Motivaram e organizaram uma equipa de mais de 100 pessoas e lançaram primeiro a Lista Vermelha da Flora Vascular e, agora, esta restante colecção. Com ela, Portugal fica mais rico, porque pode ter aqui um suporte para responder às obrigações a que se vinculou, ao assinar a Convenção para a Biodiversidade e, em particular, a Estratégia Global de Conservação das Plantas. E só quem conhece a realidade sobre o conhecimento fragmentado por escolas diferentes pode dar valor a todo este trabalho de compilação, diálogo, partilha e focus para uma obra única redigida por vários autores.

Apesar desta demonstração de serviço público e amor à ciência, Portugal continua a não saber valorizar e estimular investigadores a desenvolver trabalhos que deveriam ser assegurados por instituições públicas. Abrem-se vagas, e bem, para a inclusão de investigadores para instituições de ensino superior, mas esquecem-se outras unidades como jardins botânicos, museus de história natural, herbários que deviam assegurar e manter o conhecimento da biodiversidade nacional. Parte destes jovens pertence à chamada “geração rasca”, termo lançado por Vicente Jorge Silva em 1994. Hoje, muitos, mesmo à rasca, souberam mostrar o que valiam e não é por acaso que de entre esses há filósofos, encenadores, economistas, músicos e tantos outros. Estes, botânicos, conseguiram por si, dar à sociedade esta obra. Felizmente que, em boa hora, o vereador Sá Fernandes, da Câmara Municipal de Lisboa, acarinhou e apoiou este projecto, tornando possível a sua realização. Pelo sonho é que vamos? Sim: eles começaram, continuaram e não querem parar. Saibamos nós, enquanto país, reconhecer e valorizar este trabalho que transmite conhecimento científico sobre o nosso património biológico.

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