As Ordens na encruzilhada?

Espero que seja possível na especialidade demonstrar que, se há correcções a fazer na actual regulamentação, há também alterações que não fazem sentido.

Com os mais diversos anos de actividade, criadas em circunstancialismos diferenciados, as Ordens profissionais têm desempenhado até ao presente um papel de autorregulação na defesa do interesse público e têm cumprido a delegação de poderes dada pelo Estado.

Algumas têm uma existência de muitos anos, outras são mais recentes, mas o trabalho efectuado e o percurso que têm tido tem sido essenciais na regulamentação profissional de tantas profissões, na dignificação e na conduta ética dos seus membros e na adopção de deontologia a seguir.

Consideradas, por vezes erradamente, como corporativas, as Ordens têm demonstrado na sua actividade tal não ser assim, cumprindo os seus estatutos, previamente aprovados pela Assembleia da República.
A Ordem dos Economistas foi criada em 1999, mas já tinha um longo historial através da APEC (Associação Portuguesa de Economistas) e foi pensada como uma organização independente, sem barreiras à entrada dos seus membros desde que possuíssem as habilitações necessárias na área das Ciências Económicas, com total liberdade de entradas e saídas de membros e com os claros objectivos de dignificar a profissão, criar um código de deontologia e disciplina para os seus associados, divulgar por todos os meios as diversas e possíveis especialidades dos economistas e criar uma rede com outras organizações congéneres, tão justificada hoje em dia pela multidisciplinaridade e globalização da sociedade em que vivemos.

E desminta-se uma falácia que muitas vezes se ouve acerca da singularidade portuguesa da existência das Ordens profissionais. Elas existem em diversas áreas geográficas, desde a Europa até a vários países africanos e americanos. Em Espanha, França, Alemanha ou Reino Unido podem receber outras designações, mas as suas funções e o seu papel de autorregulação das profissões é semelhante ao nosso. O mesmo se passa em Angola, Moçambique, Cabo Verde ou Brasil, por exemplo.

As Ordens profissionais são financiadas pelos seus membros, através de quotas, não recebendo quaisquer financiamentos do Estado e os órgãos sociais de algumas delas trabalham exclusivamente pro bono.

Desde há já alguns anos que se fala numa alteração ao estatuto das Ordens, nomeadamente com base em recomendações da OCDE, da Autoridade da Concorrência e da União Europeia. São recomendações, não são directivas ou imposições. E grande parte destas recomendações tem a ver com a necessidade de evitar barreiras no mercado de trabalho para os jovens que entram nas profissões autorreguladas e no ênfase posto na independência de alguns dos órgãos sociais das Ordens, como os que se relacionam com a disciplina e deontologia no exercício das profissões.

Claro que há que adaptar os estatutos e regulamentos que respeitam a esta matéria à contínua evolução e inovação das sociedades, à legislação europeia, às novas formas e expressões do trabalho mas sem destruir ou apoucar o trabalho já feito.

No caso da Ordem dos Economistas foi o desenvolvimento da APEC que justificou a necessidade da passagem a Ordem e é todo o trabalho realizado até ao presente que justifica alterar, mudar e inovar sem porém desfazer o já conseguido. E que foi muito!

Entre 2011 e o presente, enquanto primeiro responsável da Ordem, participei activamente nas discussões com a troika acerca de alterações a introduzir na regulamentação das Ordens, participei na preparação, discussão e aplicação da Lei n.º 2/2013 hoje em vigor, discuti as possíveis alterações com a Autoridade da Concorrência e com a OCDE e, mais recentemente, com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

A proposta deste Grupo Parlamentar agora divulgada e que vai, esta sexta-feira, ser votada na generalidade aponta algumas alterações que podem não ser exequíveis, acarreta despesas para as Ordens e deixa uma nítida impressão de pretender governamentalizar as Ordens.

Espero, naturalmente, que seja possível na especialidade demonstrar que, se há correções a fazer na actual regulamentação, há também alterações que não fazem sentido e que devem ser bem aprofundadas com as próprias Ordens que são indispensáveis na sociedade e que estão abertas a acolher uma visão mais abrangente, actual e consensual que não ponha em causa aquilo para que as Ordens foram criadas.

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