Partidos acusam PS de querer governamentalizar ordens profissionais mas deixam passar diploma

Regras de escolha dos nomes para provedor e do órgão de supervisão, assim como impedimentos de sindicalistas deverão ser revistas. Redução dos estágios e pagamento aplaudidos.

Foto
LUSA/MIGUEL A. LOPES

Foi um debate entre deputados advogados em causa própria – e o termo não poderia ser mais apropriado. Na discussão sobre as alterações ao regime das ordens profissionais, a larga maioria de parlamentares que tomaram a palavra (14 em 20) é ou já foi advogado ou jurista e apenas um é engenheiro e outro economista – profissões reguladas e abrangidas pelas regras que o PS mas também o PAN, a IL e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues querem alterar.

As críticas à proposta do PS foram muitas e vieram de todos os partidos, incluindo daqueles que também apresentam diplomas, mas na sexta-feira, quando os projectos forem votados, o dos socialistas irá ser aprovado com pelo menos a abstenção do PSD, do PCP e do Bloco. O processo da especialidade promete ser longo: o PSD quer fazer um amplo debate ouvindo todas as ordens (são 20) e especialistas e os outros partidos têm uma longa lista de exigências que querem ver inscritas num texto final.

Os partidos consideram que o processo de nomeação do provedor do cliente (que passa a ser obrigatório) pode tornar-se numa tentativa de governamentalização das ordens profissionais por a escolha, feita pelo bastonário, ter que ser feita entre uma lista de três nomes de personalidades previamente escolhidas pelo Governo. “Há uma governamentalização clara e ostensiva do provedor”, apontou logo no início do debate a deputada do PSD Emília Cerqueira.

O PS, no entanto, já mostrou abertura para que possa ser, por exemplo, a Defesa do Consumidor ou a Autoridade da Concorrência a fazer essa lista. E até o secretário de Estado Adjunto Tiago Antunes veio em socorro do PS, defendendo que também o órgão de supervisão que se pretende criar com uma maioria de membros externos à ordem seria escolhido por um grupo de académicos de mérito escolhidos pela própria ordem. Os centristas, por exemplo, discordam também dessa ingerência de outros profissionais na supervisão de uma ordem que lhes é alheia. “Este regime não é contra as ordens. É para valorizar o seu verdadeiro papel enquanto autoridades públicas para regularem o exercício de actividades profissionais”, retorquiu o governante, que atacou quem “pretende manter o status quo” (termo ouvido de todas as bancadas) e “perpetuar um sistema de bloqueio” do acesso a certas profissões.

Os socialistas foram acusados pelo PSD, CDS e Chega de estarem a fazer esta reforma ao arrepio da vontade das ordens profissionais – que nas últimas duas semanas se desdobraram em declarações de repúdio – e como retaliação por algumas posições críticas, por exemplo, dos advogados e dos médicos, em especial à gestão da Justiça e da pandemia. O PS alegou que discutiu o assunto desde há ano e meio com todas as ordens, associações profissionais e até estudantes das áreas, que está a cumprir o programa do Governo e as recomendações das entidades internacionais - Comissão Europeia e OCDE - que já vêm do tempo da troika.

Toda a esquerda lembrou que aquelas são as mesmas ordens que impõem mais dificuldades no acesso às profissões. O comunista António Filipe salientou que falta no país um milhão de médicos de família mas a respectiva ordem não deixa aumentar as vagas nos cursos de medicina; o bloquista José Soeiro realçou que os advogados sofreram muitas dificuldades durante a pandemia enquanto o seu bastonário lhes recusou acesso a muitos apoios sociais ou acumulava o cargo com o de representante dos proprietários que despejavam os inquilinos. Estes dois partidos também se insurgiram contra o período de nojo de quatro anos imposto aos sindicalistas para acederem aos órgãos dirigentes de uma ordem profissional, questionando mesmo a sua constitucionalidade.

Todos os partidos admitiram ser necessário reduzir o período de estágio para evitar abusos – 12 meses é considerado o tempo ideal – e que o ideal era que fossem pagos. Mas quem assume tal encargo?, quiseram saber PSD e CDS. A esquerda defende que o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) tenha um papel fundamental, com a criação de uma medida específica para isso. Outra concordância geral – embora seja preciso ajustar os termos – é a de que as taxas a pagar para o acesso à profissão devem ser menores e proporcionais, assim como a formação e os respectivos exames não poderem incidir sobre conteúdos já abordados no percurso académico.

Outro ponto polémico é o de passarem a ser permitidas sociedades multidisciplinares, ou seja, que agregam profissionais de diversas profissões reguladas, como engenheiros, médicos, arquitectos, contabilistas. O PCP já avisou que nunca viabilizará qualquer texto que, depois da especialidade, permita tal cenário e dos outros partidos ouviu-se que isso seria a “mercantilização” destas profissões liberais.

A votação dos quatro diplomas é na sexta-feira. Embora não sejam obrigados a tal, falta saber quantos dos 230 deputados se levantarão para anunciar previamente que estão abrangidos por um eventual conflito de interesses por irem votar – ou se algum irá mesmo abster-se de o fazer – sobre uma questão que lhes diz tão directamente respeito, já que um quinto são advogados.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários