O Direito à Reparação

Para evitar a obsolescência programada e facilitar a reparação, são precisas regras dissuasoras, incentivos dirigidos a esse efeito e uma atitude diferente por parte dos produtores que seja ambientalmente responsável.

A Microsoft anunciou a semana passada que acredita que “os seus clientes têm direito a opções de reparação seguras e confiáveis”. Para esse efeito, assinou um compromisso para facilitar as reparações e compartilhar esquemas de peças dos seus computadores Surface com aqueles que não estão na sua lista de fornecedores autorizados. Além disso, a Microsoft concordou em permitir que um grupo externo avaliasse o impacto ambiental das suas operações de reparação e concordou em iniciar essas mudanças em 2022.

Não foi por “obra e graça do Espírito Santo” nem apenas por sua iniciativa que esta empresa mudou de posição. Ela responde àquele que parece ser cada vez mais o desejo dos consumidores: o de ter empresas com maior responsabilidade ambiental e combater a obsolescência programada.

Segundo o Eurobarómetro, 77% dos europeus preferem reparar os seus produtos a substituí-los. E um estudo da Comissão Europeia prova que 64% dos consumidores escolhem reparar os seus produtos estragados ou danificados; os 36% que não o escolhem fazem-no por o preço da reparação ser superior ao do produto novo.

Há assim, cada vez mais, uma preferência individual pela reparação. Isso permite poupanças, ao prolongar a vida útil dos produtos, bem como conservar os produtos a que já estamos habituados.

Além disso, há também razões ambientais. O aumento da longevidade dos produtos ajuda a amortizar o custo ambiental despendido no momento da produção e reduz os resíduos. Estima-se que os resíduos eletrónicos estejam a crescer a 3-5% ao ano e sejam uma das fontes de resíduos em maior crescimento na UE, segundo dados do Eurostat.

Naturalmente, é sempre necessário proceder a um equilíbrio entre a longevidade de um produto e a sua troca por outro mais inovador e mais amigo do ambiente.

Finalmente, prolongar a vida dos produtos pode ajudar a criar empregos especializados e com implantação local nas comunidades. Estudos do Parlamento e da Comissão Europeia estimam que a possível perda de emprego, causadas pela redução do volume de compras de produtos novos, seria largamente ultrapassada pela criação de novos empregos qualificados de proximidade e dificilmente relocalizáveis.

A resolução do Parlamento Europeu de Novembro de 2020, “Em direção a um mercado único mais sustentável para as empresas e os consumidores”, foi muito clara na sua orientação. É preciso estabelecer um “direito de reparação” dos consumidores, com vista a tornar as reparações sistemáticas, economicamente viáveis e atrativas.

Isso significa, por exemplo, garantir a disponibilidade de peças de substituição ao longo do tempo esperado de vida dos produtos; garantir o acesso por parte de consumidores e reparadores independentes à informação necessária para a reparação dos produtos; encorajar interoperabilidade e normalização das peças, para facilitar disponibilidade e reduzir custo; criar um incentivo à opção pela reparação incluindo uma possibilidade de, em caso de reparação autorizada, renovação da garantia do produto; para garantir que o consumidor está informado, no momento da compra, da capacidade de reparação, da existência de peças e do seu custo, do tempo estimado de reparação, que se poderia concretizar na necessidade de os produtos serem acompanhados por um guia das avarias mais frequentes, formas de as reparar, custo e tempo estimado para o fazer.

Em suma, prolongar a vida dos produtos duradouros exige com certeza uma cultura diferente dos consumidores, que se aplica aos produtos que necessitam de reparação e a muitos outros cuja vida tornamos hoje em dia demasiado breve. Mas não basta. Para evitar a obsolescência programada e facilitar a reparação, são precisas regras dissuasoras, incentivos dirigidos a esse efeito e uma atitude diferente por parte dos produtores que seja ambientalmente responsável.

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