O Orçamento que a esquerda não pode rejeitar
E se BE e PCP perderem o juízo? Mais não resta do que irmos para eleições.
Há algo de esquizofrénico no debate que, por estes dias, se tem feito em torno do Orçamento do Estado. Tudo porque a proposta, que o Governo apresentou, corresponde às maiores reivindicações que os diversos setores sociais e económicos foram assinalando, mas os partidos da esquerda da esquerda parecem não o reconhecer.
Este comportamento de radicalização por parte do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português é visível na ausência de argumentos e situa-se, não raro, em temas que, pela sua natureza, são de um universo que vai para além do mesmo Orçamento.
O Governo assenta a sua proposta em três campos: sustentabilidade das contas públicas (1); desagravamento fiscal (2); e aumento do investimento (3). Se no que se refere à redução do défice e da dívida os parceiros “geringoncianos” nunca assumiram especial simpatia, já quanto aos restantes universos encontramos respostas claras para uma lista sumarenta de reivindicações.
O Governo aposta, de novo, na política de rendimentos. Novo crescimento do salário mínimo; uma valorização salarial e a libertação das promoções e progressões no universo dos servidores públicos; a criação de dois novos escalões em sede de IRS; o aumento do abono de família e dos apoios aos idosos; o crescimento excecional das pensões mais baixas, tudo são marcas da esquerda que a esquerda da esquerda também deve reivindicar.
No universo do apoio às empresas é de registar o fim do pagamento especial por conta do IRC e o apoio fiscal ao investimento, reivindicações antigas, que somadas ao crescimento do investimento público, por decorrência dos apoios europeus e das dotações orçamentais, virão a criar uma nova etapa para as empresas.
Sendo também uma política de rendimentos, a redução significativa do IRS Jovem é um marco muito relevante que deve ser associada à oferta de mais lugares em creche e à valorização das deduções a partir do segundo filho e até aos seis anos. A esta nova forma de olhar o futuro deve associar-se o aumento significativo dos auxílios para as crianças carenciadas que coloca Portugal no topo dos países europeus.
Os partidos à esquerda do PS assumem a despesa em saúde como o alfa e o ómega de uma viabilização do Orçamento. O que teremos é um aumento de 700 milhões de euros nas transferências para o SNS a que somam mais 234 milhões em novo investimento. E são também os partidos à esquerda do PS que reivindicam sinais quanto ao mercado de trabalho que estão bem assumidos na limitação do contrato a termo que se imporá a partir do ano 4.
A pandemia criou uma nova realidade política e novas exigências. O Orçamento encara os desafios com denodo. O reforço do rendimento das famílias, que já atrás se indicou em traços gerais, vale 578 milhões de euros; a recuperação da atividade na saúde e na educação vale 1600 milhões; o apoio às empresas vale 2610 milhões.
Há, contudo, um número que diz muito do caminho que já seguimos e queremos continuar a seguir - em 2022 teremos uma taxa de desemprego estimada em 6,5%, um valor que será o mais baixo desde 2003. E este indicador é assumido com outros dois que nos permitem avaliar a saúde da nossa economia – uma balança externa positiva e um “serviço da dívida” ainda mais vantajoso e sustentável.
Perante este cenário o que se espera do Parlamento? A resposta é simples para os portugueses – uma viabilização pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Comunista Português do Orçamento mais à esquerda de todos os que se aprovaram desde 2015.
E se estes partidos perderem o juízo? Mais não resta do que irmos para eleições. Quando a esquerda não entende que deve aprovar um Orçamento de esquerda, deve ser o povo de esquerda a dizer que esquerda quer no Governo. Não estamos perante chantagem alguma, estaremos perante uma inevitabilidade.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico