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O engodo da valorização da função pública…

O Governo mantém uma política salarial centrada em aumentos nas remunerações mais baixas da função pública.

Sem pôr em causa o mérito académico e profissional da ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, o seu discurso é bem revelador da manifesta incapacidade do Governo para a materialização das reformas necessárias nas carreiras da função pública.

A cedência às reivindicações da esquerda para garantir a estabilidade da “geringonça” determinaram uma integração administrativa de precários ao abrigo do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) e uma política salarial centrada em aumentos nas remunerações mais baixas da função pública.

Reconhecendo-se a importância das medidas para as carreiras de assistente operacional e assistente técnico, as evidências da desvalorização da carreira técnica superior resultam do anúncio de que, neste caso, o aumento salarial incidirá sobre a primeira posição remuneratória (que corresponde a cerca de 1200 euros brutos), e a um posicionamento superior na carreira daqueles que sejam detentores do grau de doutor.

Estas medidas prejudicam manifestamente todos os técnicos superiores com considerável experiência profissional que viram as suas retribuições diminuídas em virtude dos constrangimentos impostos pelas regras do equilíbrio orçamental, bem como ignoram injustamente todos aqueles que tendo obtido o grau de mestre, merecem idêntica valorização salarial proporcional ao aprofundamento dos seus conhecimentos, e à sua expectável repercussão na qualidade das atividades desempenhadas.

Se é inegável que o contexto pandémico veio realçar o papel crucial dos assistentes operacionais em determinadas setores de atividade (nomeadamente nas áreas da saúde e da educação), não nos podemos esquecer que as tarefas de maior complexidade associadas ao funcionamento dos serviços públicos foram maioritariamente asseguradas por técnicos superiores em regime de teletrabalho – muitas vezes utilizando os seus equipamentos pessoais e suportando os custos com o acesso à Internet a partir das suas residências, pela total ausência de recursos materiais adequados disponibilizados pelos serviços de origem.

A tudo isto acresce um sistema integrado de avaliação do desempenho que se transformou num mero ritual para cumprir calendário (constatando-se que com o objetivo de menorizar a contestação, os dirigentes vão preenchendo as quotas para as classificações de Relevante e Excelente de forma rotativa, “distribuindo o mal pelas aldeias”) e um modelo de recrutamento de dirigentes intermédios e superiores inteiramente viciado, em que o mérito é reconhecido preferencialmente ao que já se encontrem no exercício das funções – normalmente nomeados previamente em regime de substituição e/ou que possuam um cartão do partido mais bem posicionado.

À semelhança do que já sucede com os dirigentes superiores, os cargos de direção intermédia na Administração Pública também deviam ter um limite para a renovação das comissões de serviço, impedindo a eternização nos cargos de pessoas que, decorrido algum tempo, se sentem legitimadas a uma apropriação dos lugares ocupados. Acrescente-se que, a nosso ver, esta realidade tem sido um dos fatores determinantes para a proliferação da pequena/média corrupção na Administração Pública, quando aquela apropriação se concretiza no progressivo aproveitamento da função pública em proveito próprio.

Em jeito de “bóia de salvação” de um governo claramente desgastado, a concretização da promessa de aumentos generalizados para a função pública surge agora à última da hora na proposta de orçamento de Estado para 2022, para desviar as atenções do essencial. Enquanto permanecer esta ausência de coragem política para concretizar uma reforma estrutural da Administração Pública, promotora da eficácia e eficiência em alternativa ao conforto dos interesses instalados associados à segurança no emprego (algo que nunca está totalmente adquirido no setor privado), lamentavelmente, continuaremos na cauda da Europa.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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