A grande coligação anti-Orbán escolhe o seu rosto

A oposição húngara iniciou a segunda volta das eleições primárias entre a eurodeputada social-democrata Klara Dobrev e o autarca conservador Peter Marki-Zay.

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Klara Dobrev foi a candidata mais votada na primeira volta das eleições primárias da oposição húngara BERNADETT SZABO / Reuters

Os eleitores da oposição ao Fidesz na Hungria começaram no domingo a votar na segunda volta das eleições primárias para escolher o candidato à chefia do Governo para as eleições legislativas do próximo ano. A disputa é produto de uma coligação inédita de praticamente toda a oposição, unida com o único objectivo de desalojar Viktor Orbán.

O processo de escolha do candidato a derrotar Orbán tem sido fértil em incidências – a que não escapou até ataques informáticos aos servidores das urnas electrónicas. Se, por um lado, esta parece ser a única possibilidade de pôr fim ao domínio dos ultranacionalistas do Fidesz, que dura desde 2010, por outro, tem mostrado as limitações que uma coligação composta por interesses tão díspares teria sempre de enfrentar.

A bordo do comboio da oposição rumo às legislativas de Abril do próximo ano viajam seis partidos, que incluem sociais-democratas, liberais, verdes e até o Jobbik, uma formação conhecida por posições anti-semitas e anti-ciganas, mas que tem apresentado uma face mais moderada nos últimos anos.

O filósofo e ex-deputado Gáspár Tamás diz ao Politico Europe que esta grande coligação se resume a um “produto de desespero” na tentativa de destronar Orbán. “Desde a política identitária woke, até posições sexistas, racistas e profundamente reaccionárias, tudo pode ser encontrado dentro desta oposição”, explica.

Um dos exemplos dos desencontros ideológicos no seio da oposição ficou exposto pelo apoio do Jobbik à polémica lei contra a divulgação de conteúdos LGBTQ+ junto de menores de idade. Os deputados do partido aprovaram o diploma, fazendo eco das argumentações do Fidesz que relacionam a homossexualidade e a pedofilia. Ainda assim, o líder do Jobbik afirmou recentemente estar disponível a rever a lei se a oposição chegar ao poder.

O grande factor de união entre os seis partidos é apenas um: derrotar o Fidesz. “O que pode manter esta campanha unida, e também um potencial governo, é que todos querem a mesma coisa básica, que é alterar a Constituição para que seja verdadeiramente democrática, coisa que não é”, diz à revista New Statesman a antiga deputada do Fidesz e hoje membro da oposição, Zsuzsanna Szelényi.

Duelo a dois

A corrida para escolher o candidato da oposição sofreu uma grande reviravolta na sexta-feira, a dois dias do início da segunda volta – que vai durar até dia 17. O autarca de Budapeste, Gergely Karacsony, que tinha ficado em segundo lugar na primeira volta, desistiu em favor do terceiro classificado, Peter Marki-Zay, outro autarca de uma cidade mais pequena no sul da Hungria. A decisão foi alcançada depois de semanas de intricadas negociações entre várias formações políticas da oposição e vem dificultar a tarefa da eurodeputada social-democrata, Klara Dobrev, que tinha ficado à frente na primeira volta.

Com as sondagens a indicarem um empate técnico entre o Fidesz e a coligação oposicionista, qualquer possibilidade de alargar o espectro de apoios nas eleições legislativas parece ser bem-vinda e, para muitos, Marki-Zay parece ser o mais indicado. Quando anunciou o apoio a Marki-Zay, Karacsony disse que o autarca independente é o candidato mais bem posicionado para derrotar Orbán em Abril.

Um católico praticante e pai de sete filhos, Marki-Zay é visto como um nome com maior capacidade para retirar votos rurais ao Fidesz, que tradicionalmente tem os seus bastiões fora das grandes cidades. A sua vitória nas eleições municipais de Hodmezovasarhely, em 2018, foi o primeiro teste eleitoral à tese da grande coligação como receita para derrotar o Fidesz.

Por outro lado, Dobrev, apesar de ser a líder do principal partido da oposição, a Coligação Democrática, e de ter boa reputação nos círculos europeus – é uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu –, colecciona anticorpos que a tornaram num alvo a abater pelos próprios companheiros da coligação oposicionista. Na sexta-feira, Marki-Zay disse nada menos que “quem votar em Klara Dobrev está a votar em Viktor Orbán”.

Para muitos húngaros, Dobrev representa o regresso a um passado recente de muito má memória e que acabou por lançar as raízes do sucesso do Fidesz. A eurodeputada é casada com o ex-primeiro-ministro, Ferenc Gyurcsany, um político extremamente impopular na Hungria, sobretudo depois de ter sido divulgada uma gravação de 2006 em que confessa ter mentido ao eleitorado.

O repúdio ao Governo dos socialistas é um dos pilares sobre o qual assenta o poder do Fidesz, que os acusa de ser elitistas e corruptos. Com a perspectiva de Dobrev poder vir a ser o rosto da oposição a Orbán, a máquina de comunicação do partido ultranacionalista, amplificada por órgãos de comunicação muito alinhados com o Governo, tem alertado para o perigo do regresso a esse passado rejeitado pelos húngaros.

Para o analista do think tank Political Capital, Robert Laszlo, citado pela BBC, Dobrev é “a candidata de sonho para o Fidesz”. “Mas Peter Marki-Zay seria um pesadelo”, acrescenta.

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