Englobamento do IRS será obrigatório para ganhos especulativos, mas só para quem ganha mais

Medida só abrange quem está no último escalão do IRS. Rendas ficam de fora da obrigação de englobar os rendimentos.

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A nova medida aplica-se a alguns investimentos mobiliários Miguel Manso,Miguel Manso

Depois de muita especulação, está desvendada a proposta de englobamento do IRS apresentada pelo Governo com o Orçamento do Estado para 2022. A nova medida não abrangerá todos os tipos de rendimentos, nem todas as franjas de contribuintes, apenas quem ganha mais.

Os contribuintes que obtiverem ganhos com valores mobiliários considerados especulativos (como acções, obrigações e outros investimentos que detenham menos de um ano) serão obrigados a englobar esses rendimentos, somando-os aos do trabalho para que esse montante seja tributado de forma progressiva através das taxas gerais do IRS (pelas taxas dos escalões). Mas, mesmo assim, não será para todos. A obrigação só se aplica aos contribuintes com mais rendimentos, os que se encontrem no último escalão de rendimento.

A medida do Governo não abrange os rendimentos prediais (de casas arrendadas) ou rendimentos de capital como juros dos depósitos a prazo ou os dividendos distribuídos aos accionistas das empresas, que são, em regra, tributados a 28%. Isso significa que o englobamento continua a ser opcional para a maioria das situações, mantendo-se a regra que já existe hoje, em que os contribuintes podem decidir fazê-lo quando entregam a declaração anual de rendimentos.

Englobar os rendimentos significa juntar aos habituais rendimentos do trabalho ou das pensões outros rendimentos que, em vez de serem tributados através das taxas gerais dos escalões do IRS (dos 14,5% aos 48%, ou 53% com a taxa adicional de solidariedade), são tributados em separado (não através das taxas progressivas, mas através de taxas liberatórias e taxas especiais de 28%, como acontece com as mais-valias mobiliárias, os dividendos, os juros dos depósitos ou as rendas).

Só que, com a proposta do Governo, esse englobamento obrigatório fica não só limitado às mais-valias obtidas com valores mobiliários em que uma pessoa investiu há menos de 12 meses como aos contribuintes do escalão de rendimentos mais alto, quem ganha por ano mais de cerca de 75 mil euros (patamar de 2022).

Tornar o englobamento obrigatório para todos os rendimentos nunca esteve em cima da mesa, tanto que, no programa de Governo, o executivo de António Costa apenas se comprometia a “caminhar no sentido do englobamento dos diversos tipos de rendimentos em sede de IRS, eliminando as diferenças entre taxas”, dando mostras de querer dar um primeiro passo, mas não fazer o percurso até ao fim.

Tal como o desdobramento dos escalões, o englobamento pretende — dizia o Governo — dar “maior equidade” ao tratamento fiscal dos vários tipos de rendimento e eliminar “soluções que, beneficiando sobretudo os contribuintes com mais recursos, induzam dinâmicas contrárias de regressividade”.

O executivo pretende que as receitas obtidas com esta nova medida sirvam para reforçar o fundo de estabilização da Segurança Social.

A iniciativa do Governo é um ponto de partida — não quer dizer que a 1 de Janeiro de 2022 as regras do englobamento correspondam ao que hoje está inscrito na proposta de lei entregue no Parlamento, porque nas próximas semanas seguem-se as negociações com os partidos à esquerda do PS, para quem esta é uma medida emblemática.

É o caso do PCP, que há muito reclama alterações nas regras do englobamento. A bancada comunista tem apresentado, de ano para ano, a mesma proposta, para que os contribuintes com rendimentos acima dos 100 mil euros anuais sejam obrigados a englobar os rendimentos prediais (de casas arrendadas) e os rendimentos de capital (como os juros dos depósitos a prazo ou os dividendos).

Actualmente, o englobamento é opcional. Os contribuintes com rendimentos de capitais — que podem resultar, por exemplo, da distribuição de lucros de uma empresa ou simplesmente dos juros dos depósitos a prazo —, com mais-valias geradas com a venda de imóveis ou que são proprietários de casas arrendadas não são obrigados a englobar essa parte dos rendimentos.

Os contribuintes podem fazê-lo se verificarem que lhes é economicamente mais vantajoso (seja para juntar aos outros rendimentos do trabalho por conta de outrem ou por conta própria, ou englobar mesmo não havendo mais rendimentos para que se apliquem as taxas progressivas).

Os rendimentos são tributados através das taxas proporcionais, mas, no momento da entrega da declaração de rendimentos no ano seguinte, o contribuinte pode exercer aquela opção e, ao fazê-lo, esses rendimentos serão somados ao salário para serem tributados de forma progressiva, através das taxas de cada um dos escalões de rendimento, que actualmente são sete e vão dos 14,5% até aos 48% (podendo chegar aos 53% para quem tem mais rendimentos e está sujeito à taxa de solidariedade, que prevê taxas adicionais de 2,5% e 5%).

Por exemplo, quando uma empresa distribui dividendos a um sócio, a empresa tem de fazer a retenção na fonte relativamente a esse rendimento (aplicando a taxa liberatória de 38%), mas, mais tarde, na hora da entrega da declaração de rendimentos, o contribuinte pode optar por englobar esse rendimento (considerado rendimentos de capitais). Se o fizer, só entra para o IRS 50% do valor (e as retenções são deduzidas a imposto). Se tiver outros rendimentos de capitais, é obrigado a englobar também esses montantes.

Também o valor das mais-valias imobiliárias e das mais-valias que resultam da alienação da propriedade intelectual ou industrial só conta em 50% para o IRS.

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