Cuidados paliativos: “Não deixemos ninguém para trás”

Dia Mundial dos Cuidados Paliativos

O segundo sábado de outubro assinala, à escala global, o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos. O objetivo desta efeméride é sensibilizar a comunidade internacional para o significado e importância dos cuidados paliativos.

Vários têm sido os lemas designados pela World Hospice and Palliative Care Alliance (Aliança Mundial dos Cuidados Paliativos), entidade promotora desta efeméride. Em 2021, o lema é “Não deixemos ninguém para trás”, numa tentativa de alertar para o princípio ético de justiça no acesso a cuidados paliativos para todas as pessoas que deles necessitem.

“Não deixar ninguém para trás” é, pois, um grito de alerta, uma chamada de atenção individual e coletiva para os problemas éticos de injustiça e iniquidade que existem globalmente no acesso a cuidados paliativos.

Mas, o que são cuidados paliativos?

São cuidados ativos, integrados e globais que têm por objetivo aliviar o sofrimento intenso decorrente duma doença incurável e/ou ameaçadora da vida. Estes cuidados consideram a pessoa doente e a sua família como o centro dos cuidados e são prestados de forma interdisciplinar.

Além de competências humanas e éticas, os cuidados paliativos assentam em competências técnicas e científicas diferenciadas e são hoje reconhecidos como uma especialidade médica e de enfermagem. Embora os cuidados prestados na chamada “fase terminal de vida” ou no “processo de fim de vida” sejam parte integrante dos cuidados paliativos, a verdade é que os cuidados paliativos podem e devem ser integrados desde o momento do diagnóstico, juntamente com tratamentos e cuidados com intenção curativa, e estendem-se para além da morte da pessoa doente ao incluírem o acompanhamento da família durante o processo de luto.

Porquê o lema “Não deixemos ninguém para trás”?

A nível global, segundo o Lancet Commission de 2018, em 2015, dos 56.2 milhões de pessoas que faleceram nesse ano, 25.5 milhões experienciavam sofrimento severo devido à doença de que padeciam. Contudo, estudos nacionais e internacionais revelam graves problemas no acesso destas pessoas a cuidados paliativos. Por exemplo, segundo o Atlas Europeu da Associação Europeia de Cuidados Paliativos (European Association for Palliative Care) de 2019, cerca de 124.000 cidadãos portugueses tinham necessidade de cuidados paliativos. Contudo, dados do Observatório Português dos Cuidados Paliativos apontavam para o facto de somente 13% dos cidadãos portugueses terem acesso a cuidados paliativos especializados, a maioria dos quais são apenas prestados nos últimos dias ou semanas de vida. Estes dados revelam um grave problema de injustiça e iniquidade no acesso a cuidados paliativos no Sistema Nacional de Saúde Português.

Vários problemas éticos de injustiças e iniquidade existem no nosso país (e à escala global) nesta matéria: de diagnóstico (por exemplo, pessoas com problemas de saúde mental grave e persistente têm três vezes menos probabilidade de ter acesso a cuidados paliativos, pessoas com doença oncológica têm mais acesso do que pessoas com outras doenças crónicas graves e progressivas), de idade (pessoas idosas com fragilidades e multimorbilidade também têm menos acesso), de estrato socioeconómico (pessoas sem capacidade financeira para aceder por exemplo ao sistema privado) e de “código postal” (quem vive nas grandes metrópoles tem melhor acesso do que quem vive em áreas rurais, remotas e ultraperiféricas).

Enquanto sociedade, vamos continuar a deixar pessoas para trás?

“Não deixemos ninguém para trás” é uma interpelação para todos. Enquanto não houver cuidados paliativos para todos os que deles necessitem e enquanto estes cuidados não estiverem verdadeiramente integrados nos sistemas nacionais de saúde e na matriz humana, ética e cultural das sociedades, continuamos a deixar alguém para trás. “Não deixar ninguém para trás” é uma exigência ética e humana, um direito humano fundamental e, como tal, depende de todos e de cada um de nós que se cumpra.

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