Ambientalistas dizem que projecto para construir uma incineradora em São Miguel é ilegal

São Miguel não atingiu a meta de reciclagem prevista para a construção da incineradora. Ambientalistas dizem que é motivo para travar o projecto e vão apelar a Matos Fernandes. O Governo Regional diz que tal vale apenas uma contra-ordenação.

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Joao Silva (colaborador)

A história da construção de uma incineradora em São Miguel, nos Açores, já vai longa e parece não ter fim à vista. Desde 2016, altura em que a Associação de Municípios da ilha (AMISM) decidiu construir aquela infra-estrutura, que o processo tem estado sob um coro de críticas de ambientalistas e envolvido em vários problemas judiciais.

Agora, o Movimento Salvar a Ilha, composto pelas Associações Amigos dos Açores, Artac, a Quercus e a Zero, alerta que o projecto não cumpre a lei – logo tem de ser travado. O governo açoriano tem uma interpretação diferente.

Em causa está a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), de 2011, que aprovou a construção da incineradora, mas com base no pressuposto de se atingir em 2020 uma taxa de 50% na reutilização e reciclagem de resíduos urbanos. Ora, em 2020 a taxa de reciclagem de resíduos urbanos na ilha ficou-se pelos 32,6%.

“Era uma condição para o licenciamento do projecto. Essa condição não foi cumprida. E agora? Há um incumprimento claro de uma exigência da lei. Não podemos viver num estado sem lei”, afirma ao PÚBLICO Rui Berkemeier da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável.

Para Berkemeier, caso a obra seja licenciada ignorando aquele critério da DIA, abre-se um “precedente muito grave”. Um “atropelo a toda a legislação de impacte ambiental”.  “Se for dada a licença, estamos a criar um precedente para todos os outros projectos de impacte ambiental do país”.

Por isso, essa já não é uma questão regional: trata-se de saber se “Portugal é um Estado de Direito ou não”, defende. “Vamos apelar ao Ministro do Ambiente porque ele depois é que vai responder a Bruxelas”. O movimento vai também fazer queixa (novamente) à Comissão Europeia, que até “tem-se abstido de intervir” num projecto que depende dos fundos comunitários.

Rui Berkemeier volta a insistir nas consequências de construir uma incineradora em São Miguel, que podem colocar em causa as metas europeias de reciclagem. “As metas europeias são muito exigentes. 65% em 2035. Qualquer atraso numa região, vai atrasar o resto do país”.

Soube-se em Abril de 2021 que o contrato para a construção da incineradora já tinha sido assinado entre a Musami (empresa de gestão de resíduos da AMISM) e a italiana Termomeccanica. Um contrato que, para ser revogado, implica uma indemnização de 54 milhões de euros.

Para a Zero, mais do que os valores contratualizados, o que está em causa é o cumprimento da lei ambiental. Os valores da indemnização são “um dado da equação que não deve ser considerado porque o que está aqui em causa é o cumprimento da lei”

Do lado do Governo Regional, a interpretação é outra. Em declarações ao PÚBLICO, o secretário do Ambiente e Alterações Climáticas, Alonso Miguel, reconhece que existiu um “incumprimento de uma condicionante”, mas salienta que tal não implica automaticamente que tenha se elaborar uma nova DIA.

“Um incumprimento de uma condicionante da DIA, nos termos da legislação em vigor, constitui uma contra-ordenação ambiental muito grave, devendo ser notificada a inspecção regional do ambiente para efeitos de instauração de um processo”, advoga Alonso Miguel.

Para o secretário regional, a conclusão de que o governo regional se prepara para licenciar o projecto de forma ilegal é “extemporânea e incorrecta”. Extemporânea, diz, porque as infra-estruturas ainda não foram construídas e porque ainda não chegou à secretaria qualquer pedido de licenciamento. “Só após a análise dos documentos é que é possível o governo decidir se estão ou não reunidas as condições”.

Incorrecta, defende, porque o incumprimento de um dos critérios “não implica” a anulação da DIA. “A DIA não cai e é possível em sede de RECAPE [Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução] demonstrar que foram encontradas soluções para, apesar do atraso atingir essa meta de reciclagem”, conclui.

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