(Re)Pensar a responsabilidade social das organizações

Para que se possa alavancar os seus efeitos ao nível macro e se crie um círculo virtuoso entre competitividade económica, coesão social e preservação ambiental, importa (re)pensar a forma como a responsabilidade social das organizações tem sido exercida. Esta alteração contempla, pelo menos, três dimensões essenciais.

Apesar do contributo que a responsabilidade social das organizações (RSO) pode trazer para se alcançar maiores níveis de sustentabilidade global, a realidade é que os seus efeitos se têm evidenciado bastante limitados e os resultados obtidos são manifestamente insuficientes. Perante este contexto, importa refletir sobre as limitações existentes e sobre como potenciar as iniciativas de RSO.

Independentemente dos diferentes entendimentos acerca do modo como as organizações devem exercer a sua responsabilidade social (RS), o facto é que atualmente esta tem sido frequentemente orientada para a resolução de problemas pontuais e não de problemas estruturantes. Além disso, tem sido reduzida a um nível micro de atuação. Parte-se do pressuposto que o somatório das ações individuais, que cada organização desenvolve em termos de RS, se faz sentir automaticamente ao nível macro, o que não acontece. Acresce ainda que a RSO tem sido frequentemente considerada como um meio para obter vantagens competitivas (ganhos de imagem e reputação, aumentar os níveis de motivação e de retenção de talentos, minimizar o risco, maior eco-eficiência, etc.). Parte-se frequentemente do pressuposto que as empresas “fazem o bem” enquanto simultaneamente beneficiam o seu próprio negócio. A lógica argumentativa incluída na expressão win-win traduz bem esta perspectiva.

No entanto, esta estratégia de atuação tem reduzido as ações de RS a iniciativas voluntárias, fragmentadas, com baixo nível de comprometimento e com resultados muito limitados, embora, mesmo assim, tenha permitido obter alguns benefícios em termos da sustentabilidade global. O facto de as políticas e práticas de RSO possuírem um carácter individualizado (resultante da estratégia que cada organização toma) limita a sua capacidade de ação e os seus efeitos reformadores globais.

Para que se possa alavancar os seus efeitos ao nível macro e se crie um círculo virtuoso entre competitividade económica, coesão social e preservação ambiental, importa (re)pensar a forma como a RSO tem sido exercida. Esta alteração contempla, pelo menos, três dimensões essenciais.

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Goumbik/Pixabay

Uma primeira dimensão integra a necessidade de se encarar a RSO numa lógica de longo prazo. Significa atuar, não em função de problemas conjunturais, mas de gerir estrategicamente a sustentabilidade como estímulo para a inovação de produtos e serviços mais sustentáveis. Iniciativas inovadoras de empresas de referência mundial têm demonstrado que atuar de forma pró-ativa e numa lógica de longo prazo na gestão da sustentabilidade conduz a fortes níveis de inovação e gera, simultaneamente, mudanças com grande impacto na sociedade. Nesta perspectiva, o que está em discussão não é submeter as ações de RS aos desígnios da estratégia de negócio e de mercado. O que está em discussão é uma mudança mais profunda: a de alinhar a estratégia empresarial com a procura de maiores níveis de sustentabilidade global. Condição essencial para se promover um ciclo virtuoso entre competitividade e sustentabilidade integrada.

Uma segunda dimensão pressupõe também uma mudança de paradigma e a alteração na forma como consideramos a atividade empresarial. Importa deixar de pensar a atividade empresarial numa lógica estritamente economicista, centrada exclusivamente na criação de valor financeiro, para passar a incorporar também a criação de valor social. Quando se refere que falta clareza para se olhar para a sustentabilidade de uma forma estratégica, acrescenta-se também que falta capacidade para olhar para a empresa numa perspectiva mais ampla, que incorpore a responsabilidade na criação de valor social.

Por último, é relevante estabelecer a articulação da RSO ao nível territorial, tendo como foco os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). É justamente dentro de uma proposição mais ampla (meso e macro), em que distintos atores sociais se aliam, com vista à construção de um modelo de desenvolvimento pautado pela sustentabilidade, que se pode alavancar os impactos da RSO. Sobre este tópico importa fazer algumas reflexões adicionais.

Quando se refere a necessidade de repensar a RSO ao nível territorial, significa a necessidade de articulação entre o nível empresarial e as organizações da sociedade civil (governos, universidades, ONG, entre outras instituições) onde cada qual, na sua esfera de atuação e com as suas competências específicas, possam colaborar e desenvolver ações que tenham como foco o cumprimento dos ODS ao nível do território. A formação de agrupamentos multistakeholders pode ampliar e alavancar as práticas de RS ao nível dos territórios e das regiões.

Experiências bem sucedidas em territórios inovadores mostram que existem formas alternativas de promoção do desenvolvimento sustentável desencadeadas e geridas a partir de cada espaço/território. A cooperação entre os membros de um território orientada para a sustentabilidade permite alcançar melhorias que cada actor isoladamente teria dificuldade em efetivar. O desafio passa por alavancar e perspetivar as práticas de RS ao nível dos territórios e regiões conduzindo, por esta via, a patamares mais significativos de desenvolvimento sustentável.

Neste contexto, os territórios apresentam-se como atores estratégicos fundamentais. Dada a sua especificidade, estão em melhores condições para intervir, pois têm um quadro institucional que lhes permite estabelecer interfaces inovadores com organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos, podendo articular os vários interesses em presença a favor de um desenvolvimento mais harmonioso.

No entanto, subsistem várias dificuldades. Muito se tem progredido no domínio duma governação próxima dos cidadãos e da comunidade local. Contudo, está ainda por aprofundar a concepção de planos estratégicos e planos de integrados de intervenção à escala territorial focados na promoção dos ODS. Escassos têm sido os territórios que adoptam abordagens de tipo triple bottom line para potenciar a sustentabilidade de forma integrada.

Outra fragilidade prende-se com a definição rígida de pelouros, a reduzida comunicação e flexibilidade organizacional, associada a lógicas de poder cristalizadas, as quais constituem um forte entrave à definição de estratégias integradas de sustentabilidade. Acresce que as lógicas territoriais têm centros de racionalidade próprias, cruzam diversas regiões estabelecendo-se pelo território de forma difusa, não se compadecendo, por isso, com áreas de intervenção delimitadas administrativamente. Requer portanto que se pense a RS e os ODS no contexto de quadros de governação que integrem diferentes municípios, actores económicos e sociedade civil.

Em síntese, parte-se do pressuposto que uma intervenção mais ampla da RSO orientada para os ODS ao nível territorial pode ser uma das vias para se obter maiores níveis de sustentabilidade, na ótica do triple bottom line. No entanto, esta via, teoricamente discutida, não é isenta de dificuldades. Apesar dos territórios surgirem como actores susceptíveis de liderar este processo, deparam-se com múltiplas dificuldades e barreiras que, sucintamente e de forma exploratória, foram elencadas. Importa portanto aprofundar este debate e refletir sobre a importância da consolidação das redes multistakeholders de base territorial como forma de optimizar práticas de RSO voltadas para o desenvolvimento das regiões, numa perspectiva integrada e sustentável.

Maria João Santos, Doutorada em Sociologia Económica e das Organizações, é actualmente Professora Associada no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG-ULisboa) e Investigadora Integrada do Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS-ISEG/ULisboa)

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico 

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