Os paradoxos da noite eleitoral autárquica

Carlos Moedas (que é um passista), com a vitória tangencial que obteve, fica preso a Lisboa (e com uma gestão muito complicada, porque em minoria), deixando o caminho livre para Rui Rio ser o candidato a primeiro-ministro em 2023.

Embora as sondagens previssem uma noite eleitoral relativamente calma, os votos contaram uma história diferente.

A começar por Lisboa (a cidade onde as sondagens erraram redondamente) e passando pelo Porto (onde Rui Moreira perdeu a maioria absoluta), a contagem dos votos obriga à alteração da narrativa que já estava pronta com base nas sondagens.

Em particular, gera uma situação paradoxal: uns que ganharam agora, mas se calhar perderam o futuro, outros que, apesar de algumas derrotas, podem sair reforçados.

A interpretação desses paradoxos diz, essencialmente, respeito às consequências para as lideranças do PS e do PSD, e os impactos que isso pode ter nas legislativas de 2023.

Se começarmos pelo PSD, estas eleições permitem a Rui Rio celebrar uma grande vitória: face aos seus opositores internos! Ainda há poucos dias não se falava de outra coisa senão de como a noite das autárquicas ditaria o fim da liderança de Rui Rio no PSD, porque, a confirmarem-se as previsões, esse deixaria de ter condições para continuar. Mais, até surgiu Paulo Rangel, com fulgor mediático, a marcar posição. E até Rui Rio veio dizer que, se tivesse um resultado fraco, não se recandidataria à liderança do PSD.

Ora, o resultado muito acima das expectativas deixa Rui Rio cheio de confiança, de tal forma que, no seu discurso de comentário às eleições, até remocou que o PSD deve estar no centro, como ele sempre defendeu (para roubar votos às esquerdas), nunca acantonado na direita (como desejam os sebastianistas de Passos Coelho).

A este respeito, não deixa de ser, também, paradoxal que Carlos Moedas (que é um passista), com a vitória tangencial que obteve, fique preso a Lisboa (e com uma gestão muito complicada, porque em minoria), deixando o caminho livre para Rui Rio ser o candidato a primeiro-ministro em 2023.

Nota lateral: a má imprensa que Rui Rio tem deve-se ao seu estilo truculento, mas também ao facto de ser um tripeiro sem vergonha e sem vontade de ser um “lisboado”. E isso dói muito à elite lisboeta do comentário. Acontece que Rui Rio tem muita experiência política e está habituado a superar as expectativas.

Do lado contrário, no PS, estas eleições autárquicas também estão cheias de mensagens e de implicações para 2023.

O que aconteceu a Medina em Lisboa é uma estrondosa derrota pessoal, que pode mesmo comprometer o seu futuro político. É que não foi a esquerda que perdeu (está em maioria em vereadores e em deputados municipais), mas sim a falta de carisma, inteligência política e liderança de Medina, isto para além do seu posicionamento direitista que, como se viu, não traz bons resultados eleitorais. Se Medina se tivesse coligado com BE e PCP, comprometendo-se com uma política mais esquerdista, nunca perderia a câmara.  Assim, corre o risco de ter corrido com o PS do poder em Lisboa por muitos anos, uma vez que a aceleração da gentrificação que Moedas vai promover, fará com que a classe média intelectual que vota na esquerda seja expulsa da cidade por falta de condição financeira.

A leitura para o PS deve ser clara: apostar numa sucessão direitista e sem carisma faria com que o PS perdesse as eleições legislativas de 2023. Pedro Nuno Santos fica com mais espaço para reclamar a sua estratégia e se posicionar como sucessor. Mesmo que Cosa continue até 2023, fica claro que nunca obterá maioria absoluta e que terá que “geringonçar” de novo.

No caso do Porto, aconteceu um facto salutar, que segue a tendência de outras eleições nacionais ou regionais em Portugal: dar, cada vez menos, o poder absoluto a alguém. Por mais que o candidato goste de ter esse poder, é sempre verdade que o absolutismo faz mal aos cidadãos.

Rui Moreira foi melhor no primeiro mandato (coligado com o PS de Pizarro) do que no segundo, que tinha a maioria absoluta dos vereadores. Agora, volta a ter que negociar, embora me pareça muito fácil o entendimento com Vladimiro Feliz, que adora a gentrificação e o turismo.

A esse respeito, é gritante a consolidação direitista da cidade do Porto (a cidade é governada pela direita desde que Rui Rio ganhou a Fernando Gomes e, mesmo nas legislativas, o PSD leva a melhor sobre o PS), ao mesmo tempo que se consolidam as tendências socialistas de Matosinhos e Gaia. Com os preços habitacionais na cidade do Porto, a classe média tem que ir viver para Matosinhos ou Gaia, deixando o Porto entregue a cada vez menos pessoas (menos nacionais e mais estrangeiras), mas sempre ricas (e aos pobres dos bairros sociais, que não têm a sua habitação em risco).

De resto, tivemos a derrota dos populismos (fraca prestação do Chega, e do próprio André Ventura, assim como de Suzana Garcia – muito barulho para nada) e a confirmação do caciquismo – Isaltino Morais, Santana Lopes ou Fernando Ruas mostram como certos locais evoluem pouco ou como o carisma vale ouro.

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