Os peixes no Algarve “tomam” Prozac e Brufen e nadam entre microplásticos

O Centro de Investigação das Ciências do Mar (CIMA) no Algarve descobriu, através da análise das águas, que os peixes andam a tomar, indirectamente, vários medicamentos. A poluição nos oceanos está carregada de plásticos e produtos químicos mas agora há um novo elemento: as máscaras.

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O mar de Sagres é o mais poluído com microplásticos Joel Saucedos / Pixabay

Os barcos da pesca do polvo estão de regresso ao mar após a pausa dos meses de Verão. “Vamos ter uma época que promete ser boa”, prevê o presidente da Associação de Armadores de Pesca de Polvo do Algarve (Armalgarve), José Agostinho, lembrando que as águas (anormalmente frias) dos meses de Julho e Agosto favoreceram as criações da espécie. O que o dirigente associativo não quer ouvir falar é da possibilidade de voltar a pescar com alcatruzes de barro em vez de plástico para reduzir os efeitos da poluição do mar. ”Voltaríamos ao século passado, é completamente inviável”, dramatiza.

O cenário de um regresso à pesca artesanal, com artes mais amigas do ambiente, foi colocado a partir dos estudos desenvolvidos pelo Centro de Investigação das Ciências do Mar (CIMA) da Universidade do Algarve. “Lancei esse desafio, porque os resultados das análises aos microplásticos são assustadores”, diz a cientista Maria João Bebiano, directora do CIMA e a única especialista portuguesa no grupo dos 25 peritos da ONU que estão a elaborar uma avaliação global do estado dos oceanos. A zona de Sagres, sublinha, é a que, no Algarve, se encontra em situação mais crítica. “As amostras revelam uma situação explosiva, no futuro”, enfatiza. A contribuir para degradação do meio aquático estão os microplásticos acumulados no fundo do mar durante décadas, que chegam à superfície por efeito das correntes do Mediterrâneo - o mar mais poluído do mundo.

A passagem dos petroleiros, na auto-estrada marítima ao largo do cabo de São Vicente, é outro motivo de preocupação.

A morte de baleias, focas e golfinhos, animais que têm dado à costa, pode ser explicada pela contaminação dos oceanos, transformados em lixeira. Ao cocktail formado por sacos de plástico, redes de pesca ou embalagens de bronzeadores, adicionou-se recentemente as máscaras de protecção contra a pandemia da covid-19. Este novo elemento no ecossistema, revela a professora, já ocupa uma área equivalente ao tamanho da Suíça.

“Não venham atribuir ao pescador as culpas pelo estado dos oceanos”, riposta José Agostinho, destacando a importância do sector da pesca na vida das comunidades costeiras. A actividade só se mantém, diz, “porque foi modernizada”. Um barco chegar a transportar 3 mil alcatruzes mas muitos ficam perdidos no meio do mar

Maria João Bebiano admite que há impactos maiores do que os microplásticos, com efeitos ainda imprevisíveis na vida dos animais e das pessoas. É o caso dos remédios farmacéuticos. “Estamos a lançar para o mar imensas toneladas de medicamentos através das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR)”, exemplifica. Os compostos químicos dos anti-cancerígenos e outros remédios, prossegue, “são mais graves do que os plásticos”. Por conseguinte, o acumular de situações desreguladas “pode dar origem a uma mistura de tal modo explosiva, que não conhecemos ainda o seu efeito”.

A partir de análises às águas do mar, os investigadores do CIMA conseguiram desenhar um mapa, a traço grosso, sobre o que é que os médicos andam a receitar aos doentes. “Se pegar numa água de Portimão, encontro Prozac [ministrado para a depressão e ansiedade]”. Do lado nordeste da região, “no Guadiana, prevalece o Brufen [remédio para as dores]”. Não é de estranhar, pois este último território é ocupado por uma população idosa.

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