6200 euros em troca de aprendizagens essenciais?

Vemos um investimento cada vez maior, um retorno cada vez menor o que, naturalmente, nos levará a perguntar: Se pudéssemos escolher a escola/colégio para os nossos filhos com financiamento estatal, ficaríamos melhor servidos?

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Rui Gaudencio

Em meados do mês de setembro, em véspera de mais um arranque do ano letivo, o ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues veio a público dizer, em jeito de anúncio merecedor de louvores, que o custo de um aluno que frequente o ensino estatal era agora de 6200€ e que este valor representava um aumento de 30% face ao ano de 2015. Ano em que assumiu a tutela da Educação.

Tal anúncio tinha como objetivo criar a ilusão de que este Governo, do qual faz parte, tinha investido muito na Educação nos últimos seis anos. Na entrevista, o ministro salientou que o investimento tem sido no aumento dos recursos humanos, nomeadamente, psicólogos, mediadores, assistentes sociais e pessoal docente. Além desse reforço direto em pessoal docente e não docente referiu igualmente o descongelamento das carreiras em 2018 e a consequente subida de escalões, apontando largos milhares de professores que agora se encontram no 10.º e último escalão, mas obviamente esquecendo de referir que ao descongelamento de dois anos e nove meses repostos ficaram por repor mais seis anos de trabalho efetivo que levaria, aí sim, à reposição da justiça laboral. Mesmo que isso custasse ainda mais ao Orçamento.

Para que o leitor possa entender a falácia dos números, uma semana antes a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) revelou que havia, novamente este ano, uma suborçamentação na despesa efetiva com pessoal do sector da Educação.

Nas palavras do ministro, o aumento do custo por aluno ao longo dos seis anos deve-se ao reforço de meios humanos, mas o que se vê, ao longo de mais de meia década em que gere o ministério é que os problemas persistem. Basta atentar às notícias que ao longo do tempo vêm a público. Este ano, o ano letivo começou e mais de 100 mil alunos estão sem professor e, habitualmente, a falta permanente de auxiliares nas escolas e psicólogos é uma realidade.

Este número resulta principalmente de dois fatores, o Orçamento para a Educação a aumentar e o número de alunos a frequentar o ensino básico e secundário a diminuir. Segundo os dados da Pordata, em 2015, quando o atual ministro tomou posse, frequentavam o ensino básico e secundário cerca de 1,2 milhões de alunos (1.224.060). Este valor desce para 1,1 milhões de alunos (1.141.393), o que perfaz uma diferença de 82.667. No mesmo período temporal, o Orçamento do Estado para a Educação passou de 6,7 mil milhões (em 2015), para 7,8 mil milhões (em 2020).

Portanto, além do aumento orçamental houve também uma queda de quase 100 mil alunos a frequentar o ensino público. No entanto não posso deixar de referir que ainda assim a percentagem do PIB da despesa em educação tem sido sempre inferior ao tempo da troika, abaixo dos 3,9%. Logo a pergunta que se impõe é porque é que a despesa não se tem traduzido na melhoria global das escolas públicas?

Bem sei que o caminho mais fácil poderia ser o de “culpabilizar” os cerca de dez mil professores que entraram no sistema educativo no período homólogo, mas entendo que essa narrativa não nos levará a lado nenhum pois o que se sabe é que nem essa medida, necessária, se tem traduzido em melhorias substanciais do ensino.

Como habitualmente se diz, mais, raramente é significado de melhor e este caso da educação é flagrante em todos os seus termos.

O ensino estatal não deve ser encarado como despesa, não se deve de ele esperar lucro, mas também gastar sem grande nexo e planeamento não nos tem levado a lado algum. O foco deve ser sempre a capacidade de criar condições suficientemente consistentes para que haja efetiva melhoria das aprendizagens dos alunos que a frequentam, para que seja um elevador social funcional.

Os milhões que se anunciam para a Educação todos os anos devem ser cirurgicamente canalizados para onde de facto fazem falta, respeitando as prioridades e agindo sobre os problemas há muito identificados pelos seus principais agentes, os professores.

O sistema educativo deve ser eficiente e eficaz no seu principal objetivo social, ensinar. Também aqui temos assistido a um verdadeiro desmantelamento total do sistema educativo, por parte daqueles que mais apregoam a defesa da Escola Pública e a defesa dos mais desfavorecidos.

Com o Despacho n.º 6605-A/2021 o secretário de Estado João Costa revogou todos os programas e metas curriculares vigentes, do 1.º ao 12.º ano. A partir de dia 1 de setembro passaram a constituir-se como referenciais curriculares, entre outros, as Aprendizagens Essenciais, homologadas através dos Despachos n.º 6944 -A/2018, de 18 de julho, 8476 -A/2018, de 31 de agosto, 7414/2020, de 17 de julho, e 7415/2020, de 17 de julho. Com esse despacho foi operacionalizado a “Educação Mínima”, como referiu Paulo Guinote, à época. As avaliações nacionais, através do IAVE, e internacionais, TIMSS foram dando os avisos possíveis que foram sendo ignorados ano após ano.

Nem a pandemia, que colocou a nu vários e diversificados problemas sociais que foram demonstrando que têm relação direta com o desempenho escolar, fizeram com que se acertassem agulhas para que finalmente se agisse diretamente nos problemas em vez de ir remediando aqui e ali. O que se tem feito amiúde é a criação de variadíssimos projetos temporários e inconsequentes que aparecem como resolução de todos os problemas, quando na realidade devia-se apostar na profilaxia do sistema. A experiência diz-me que não é baixando a fasquia que se consegue mais sucesso, mesmo que as estatísticas sejam boas aliadas da propaganda o que restará serão alunos mais “pobres” e com menores perspetivas de mobilidade social.

Portanto, vemos um investimento cada vez maior, um retorno cada vez menor o que, naturalmente, nos levará a perguntar: Se pudéssemos escolher a escola/colégio para os nossos filhos com financiamento estatal, ficaríamos melhor servidos?

Defendo que o que devemos exigir é uma escola de qualidade para os nossos filhos e se o Estado não tem conseguido prestar esse serviço é legítimo que os pais “reclamem” o seu direito, porque a qualidade não pode ser apenas para quem pode pagar, como acontece com muitos dos filhos da elite política. A qualidade deve ser para todos.

Estas contas levam-me a constatar que o funcionamento centralizado do sistema de ensino não funciona e perante este facto continuar a insistir nela roçará o autismo. Fazer sempre da mesma forma e esperar resultados diferentes é no mínimo absurdo. Gasta-se cada vez mais e têm-se cada vez menos.

Perante isso há que mudar, inovando. Isto é, das duas, uma, ou avançar para um sistema financiamento familiar, através de um cheque ensino ou através da revisão e alargamento dos contratos simples, ou, então, entregar a autonomia e gestão às próprias escolas.

O desafio de futuro tem de ter a capacidade de a escola ser autónoma, que saiba responder às necessidades e ao desenvolvimento integral dos alunos da comunidade, que consiga ter uma visão integral do desenvolvimento do meio social, cultural e económico que serve.

A regulação destas escolas comunitárias seria feita através da celebração de contratos de comodato e contratos programa, o financiamento dependeria do projeto educativo e da sua durabilidade operacional, criando um serviço de educação de qualidade, com mais responsabilidade da escola e da comunidade onde se insere.

Estaremos preparados para dar este salto qualitativo ou iremos continuar a aceitar levianamente aquilo que o Estado nos oferece? Terá a sociedade capacidade para dar este passo? Os professores continuarão tal e qual o gigante adormecido ou serão capazes de assumir o comando cooperativo de uma escola comunitária?

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