Vai e encanta-te pelo Sudoeste alentejano. Depois, indigna-te

“Mas quero que vás tu ver, e que te apaixones, para que este lugar te fique coração adentro, porque agora gostaria que te indignasses. É que, se não sabes, deixa-me dizer-te que este nosso lugar vive debaixo de um mar de plástico”. Natureza e paisagem soberbas, estufas e agricultura intensiva. A opinião da leitora Patrícia Caeiros.

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Patrícia Caeiros
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O dia nasce devagar e o silêncio das escarpas faz-se sentir do mesmo modo. A vida acorda ao ritmo da manhã, sem pressa, não estivesse eu no Alentejo, com a vista de frente para o mar do Sudoeste alentejano, e um trilho vazio de gente. Deixo-me encostada a uma pedra que faz de banco cá do alto, e tenho a máquina fotográfica em punho. Faço uns disparos. São as cegonhas-brancas um pouco mais em baixo nas rochas com as crias nos ninhos. Chega um dos progenitores e os pequenos empoleiram-se. Que bonito. E que privilégio este meu de poder sentar-me com tempo a vê-los, num dos sítios únicos do mundo onde nidificam em rochedos à beira-mar.

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Patrícia Caeiros

Continuo caminho pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, e vou saltitando entre as terras da região, pelas diferentes praias que ocupam o espaço à beira-mar, num lugar ainda selvagem. Desde Porto Covo ao Malhão, cabo de São Vicente, Zambujeira do Mar, Monte Clérigo, Arrifana, Ponta de Sagres, os pés caminham numa descoberta que já conhecem, mas que gosto de reviver numa frequência que me parece sempre insuficiente para o quanto gosto deste lugar. Talvez sejam as encostas que ainda escondem tesouros que só se descobrem a pé. Ou o cheiro da maresia que sabe diferente. Ou ainda as memórias de menina.

A verdade é que a paisagem é soberba e não existe canto da rota vicentina que não encha o olho de espanto, com uma beleza ainda original e crua, numa zona que depende de protecção para se manter intocada. Não te vou contar os segredos dos recantos que este lugar ainda esconde, quero que vás tu ver, para te encantares com os teus sentidos. Mas quero dizer-te que o parque natural é um dos lugares raros cujas falésias terminam mar adentro por entre aldeias piscatórias com gente sentada nos bancos cobertos pela sombra que a tarde faz ganhar encostada à parede, e comeres vindos logo ali do mar e que se tornam em petiscos de querer mais. Vou também falar-te dos areais desertos e enseadas selvagens, e ainda escrever-te sobre o Sol que se põe em tons que explodem o céu de cores que mais parecem impossíveis, enquanto o bem-estar te envolve a pele num respirar fundo.

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Mas quero que vás tu ver, e que te apaixones, para que este lugar te fique coração adentro, porque agora gostaria que te indignasses. É que, se não sabes, deixa-me dizer-te que este nosso lugar vive debaixo de um mar de plástico, bem à vista de todos, e a biodiversidade já mal respira com as estufas agrícolas que invadiram o solo. O parque não aguenta mais a agricultura intensiva, no modelo perverso actual, onde o desastre ambiental e a desumanidade predominam, pois também existem investigações em curso de alegado tráfico humano relativo às pessoas, maioria migrantes, que trabalham nas estufas. É só lerem as notícias. Para além disso, o nosso Governo decidiu também autorizar e tornar mais fácil alojar as pessoas em contentores, com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2021, publicada em Junho de 2021. E, no fim, as vítimas trabalham, descontam e vivem em condições indignas e insalubres, e o ambiente deteriora-se.

Precisamos mesmo que te vás encantar pela Costa Vicentina, porque é só quando o coração passa a conhecer que ele se revolta a sério. Não podemos deixar que tudo isto continue a acontecer debaixo dos nossos olhos, com a nossa complacência, e o nosso virar do rosto para o lado, no nosso país, num dos lugares mais bonitos que temos. Vai, e encanta-te pelo sudoeste alentejano, para que a seguir o coração se possa insurgir por um modelo de desenvolvimento sustentável para a região e que respeite os direitos humanos.

Patrícia Caeiros

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