Sobre a ética académica

Deverão as universidades ignorar o conteúdo da informação científica veiculada pelos seus assalariados nos casos em que os padrões éticos na interação com a sociedade e divulgação pública da ciência não são observados?

A retirada do apoio do Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas à candidatura da investigadora Raquel Varela ao Concurso de Estímulo ao Emprego Científico Individual promovido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, devido à existência de “erros” no seu currículo que faziam aumentar a contabilidade da produção científica (PÚBLICO, 20/9/2021; 21/9/2021), deu origem a uma polémica que remete para o plano dos valores e normas de conduta contemplados no Código de Ética da Universidade Nova de Lisboa (UNL).

A conflitualidade no universo dos docentes e investigadores do ensino superior tem quase sempre origem no que o PÚBLICO classificou eufemisticamente como “erros”. “Erros” de avaliação curricular dos júris nos concursos para progressão na carreira, “erros” nos Editais dos concursos que favorecem à partida este ou aquele candidato, “erros” dos candidatos na apresentação dos respetivos curricula, “erros” na redação de teses de mestrado e doutoramento que consubstanciam situações de plágio e auto-plágio, e “erros” na divulgação de resultados de divulgação científica. Em muitos casos estes “erros” resultam em processos judiciais que se arrastam ad aeternum nos tribunais administrativos.

As universidades públicas têm vindo a aprovar desde 2012 Códigos de Conduta Ética, Deontologia, Boas Práticas e Integridade Académica, que se destinam a toda a comunidade académica: docentes e investigadores, trabalhadores não docentes e não investigadores, bolseiros de investigação, estudantes e visitantes. Estes regulamentos, uns mais detalhados que outros, “estabelecem um conjunto de valores e normas de conduta que deverão orientar a Instituição no exercício das suas atividades de ensino e aprendizagem, formação, investigação científica e interação com a sociedade, alicerçando-se nos princípios éticos da equidade e justiça, do respeito pela dignidade humana, não discriminação e igualdade de oportunidades e da responsabilidade pessoal e profissional” (in Código de Ética da UNL).

De entre as inúmeras situações passíveis de sanções que violam a integridade do investigador, inclui-se a utilização de falsas informações curriculares. Às Comissões de Ética compete analisar e emitir parecer sobre situações de eventuais quebras de conduta que lhes sejam reportadas. Caso a violação do Código de Conduta tenha implicações disciplinares, compete aos órgãos de gestão darem seguimento aos processos.

Em relação aos docentes e investigadores que exercem atividade de comentadores e articulistas nos media, essa intervenção é quase sempre feita a título pessoal e não vincula nem compromete a instituição de que fazem parte. Mas deverão as universidades ignorar o conteúdo da informação científica veiculada pelos seus assalariados nos casos em que os padrões éticos na interação com a sociedade e divulgação pública da ciência não são observados?

A historiadora Raquel Varela intitula-se sem falsa modéstia como “uma das mais importantes divulgadoras de ciência no país” (https://raquelcardeiravarela.wordpress.com. acesso a 17/9/2021), mas as suas constantes intervenções públicas relacionadas com a temática da covid-19 não têm sido mais que a reprodução da desinformação científica repescada das redes sociais negacionistas. A este propósito já aqui tive oportunidade de referir a tomada de posição do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) contra um dos seus diretores de investigação de sociologia, e seguidor dos movimentos negacionistas e anti-vacinas: “O CNRS lamenta as posições públicas tomadas por alguns cientistas, muitas vezes mais preocupados com a glória efémera dos media do que com a verdade científica, sobre assuntos longe das suas áreas de competência profissional.”

Deste modo, tanto o caso que está na origem da polémica entre Raquel Varela e o IHC, como a desinformação científica que esta investigadora divulga nos media, deveriam ser objeto de apreciação pelo Conselho de Ética da UNL.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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