Árbitros dão mais “descontos” para contrariar o antijogo

Os jogos da Liga portuguesa 2021/22 tiveram, em média, cerca de dez minutos de recuperação do tempo perdido – vulgo “descontos”. Os árbitros portugueses estão a alargar em quase dois minutos o tempo adicional concedido.

Foto
Fábio Veríssimo, árbitro da I Liga LUSA/JOSÉ COELHO

Numa visão fatalista, há quem acredite que o antijogo em Portugal e na maioria dos campeonatos do Sul da Europa é um defeito cultural impossível de reverter. Há quem diga, porém, que essa luta não é inócua. Uns apontam que tem de passar pelos jogadores, outros apontam baterias aos treinadores e há quem peça “ajuda” aos árbitros. Provavelmente, todos têm razão. Mas, da parte de quem apita, os números mostram que já há um trabalho em curso.

Os jogos da Liga portuguesa 2021/22 tiveram, em média, cerca de dez minutos de recuperação do tempo perdido – vulgo “descontos”. De acordo com o levantamento feito pelo PÚBLICO e pela Opta, os árbitros portugueses estão a alargar em quase dois minutos o tempo adicional concedido nos jogos da I Liga, seguindo a estratégia delineada pelo Conselho de Arbitragem (CA) como combate ao antijogo.

Em Abril, um estudo do Observatório do Futebol (CIES) apontava que Portugal tem o terceiro campeonato europeu com menos tempo útil de jogo (58,3%), só superado por República Checa e Grécia.

Em Setembro, com seis jornadas já disputadas na I Liga, nota-se uma clara preocupação dos árbitros em compensarem as perdas de tempo, com jogos a terem oito, nove, dez ou mesmo 12 minutos extra no final.

Vamos a números. Se no período analisado pelo CIES (2019 a 2021) os árbitros portugueses davam, em média, 7m51s de “descontos”, no início da temporada 2021/22 esse tempo está a ser claramente superado, com 9m41s de média por jogo.

Se limitarmos a análise ao tempo dado nas segundas partes, 32 dos 54 jogos disputados nesta I Liga tiveram pelo menos seis minutos de tempo adicional – e os seis minutos são a “tarifa” habitualmente considerada “simpática” em matéria de descontos.

Subida permanente há várias temporadas

Um texto do PÚBLICO, em 2018, avaliava a evolução do tempo adicional, concluindo que, de 2013 a 2016, eram dados cerca de cinco minutos extra por jogo e que, em 2018, esse valor já tinha subido para os seis. De 2019 a 2021, como concluiu o CIES, Portugal já estava acima dos sete. Agora, são quase dez.

Voltando à comparação entre Abril e Setembro é curioso ver como a Liga portuguesa, apesar do pouco tempo útil de jogo, até já era das que mais procurava compensá-lo com tempo adicional.

Era a terceira em que se jogava menos, mas também a terceira em que mais tempo era concedido no final das partes – em média, segundo o CIES, um jogo da I Liga durava 1h37m51s, o que significa cerca de oito minutos de compensação na soma das duas partes.

Teoricamente, os árbitros portugueses até já estavam conscientes desta necessidade, sobretudo se compararmos, por exemplo, com campeonatos como o checo – em que se joga pouco e também se compensa pouco.

Como curiosidade, ingleses e israelitas, por outro lado, são dos que mais jogam, mas também dos que mais tempo dão – aí, sim, existe uma correlação claramente positiva no sentido de compensar o máximo possível o tempo perdido.

Tempo extra faz campeões

De novo no caso português, os árbitros nacionais, apesar de já compensarem bastante, foram instruídos a aumentarem ainda mais essa preocupação. “Contribuir para o aumento do tempo útil de jogo é um dos objectivos dos árbitros portugueses para a temporada que agora se inicia (…) para tal, o CA pediu aos árbitros para terem maior atenção ao tempo perdido (…) bem como na compensação adequada do tempo gasto em substituições”, explicou o Conselho de Arbitragem, após as instruções dadas aos árbitros no início da temporada.

Como curiosidade, o último campeonato foi prova de que o tempo adicional pode ter um impacto não apenas no desfecho de um ou outro jogo, mas mesmo no campeão nacional.

O Sporting não teria sido campeão sem os golos após os 45’ e após os 90’, terminando com os mesmos 75 pontos do Benfica, mas com desvantagem no confronto directo. Na parte inferior da tabela teria sido o Marítimo a descer de divisão e não o Farense.

Estes dados, que mais não são do que uma mera curiosidade estatística, atestam que a recuperação do tempo perdido não é uma trivialidade: os campeões também se fazem nos últimos fogachos, já “fora de horas”, e é nessas ocasiões que o futebol vence o antijogo.

Sugerir correcção
Comentar