Saúde mental: o futuro é urgente

No 10.º aniversário do P3, estendemos o Megafone a dez vozes para falarem de dez causas. O que mudou numa década? Como será a próxima? Para Edite Queiroz, psicóloga, ainda há um grande caminho a percorrer no que diz respeito à saúde mental.

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Do paradoxo: a saúde psicológica é ainda uma dimensão descurada no quadro global da saúde. Por motivos muito diversos, persiste um estigma que alimenta a vergonha e a culpa, contribui para o subdiagnóstico, dificulta a procura de ajuda e justifica a negligência e o subfinanciamento ao nível dos sistemas de saúde e recursos comunitários. Um pouco por todo o mundo, os custos individuais, sociais e económicos deste cenário tornaram-se cada vez mais evidentes nos últimos anos, permitindo perceber que os problemas de saúde psicológica afectam milhões de pessoas e representam uma das cargas mais significativas para a saúde pública, com custos económicos até 4,2% do PIB (a depressão, por exemplo, atinge cerca de 300 milhões e é já considerada a principal causa mundial de incapacidade).

Ao mesmo tempo, a investigação na área da ciência psicológica tem clarificado, por um lado, o impacto dos factores sociais e económicos na saúde psicológica (por exemplo, a pobreza, a discriminação, a exclusão social, o desemprego e insegurança laboral) e, por outro, a importância da sua manutenção, não apenas do ponto de vista individual, mas do desenvolvimento das comunidades e dos países, significando uma melhor saúde física, melhor desempenho escolar e académico, maior produtividade, maior participação social e menores índices de multimorbilidade e de mortalidade.

A última década foi marcada por uma lenta mudança de atitude face à saúde psicológica, mas, ao mesmo tempo, por um aumento e diversificação dos problemas. Para tal contribuiu, de forma decisiva, a massificação da utilização da Internet, cujo número de utilizadores cresceu de 30% para 65% entre 2010 e 2020. Os meios digitais são hoje parte do quotidiano de grande parte da população mundial, deles decorrendo novas problemáticas, associadas ao seu uso excessivo ou desadequado, mas também ao próprio ciberespaço e respectivas modalidades de interacção. Por outro lado, viabilizam a mediatização de histórias pessoais (nomeadamente, de figuras públicas) que muito têm contribuído para colocar o tema na ordem do dia, e representam novas plataformas de acesso a literacia, trabalho, educação e formação e mesmo cuidados de saúde (a telemedicina, apoio psicológico online, grupos terapêuticos ou intervenções auto-guiadas). A última década deixou claro que a tecnologia, inicialmente diabolizada, apresenta enormes vantagens que podem ser potenciadas por um melhor conhecimento e gestão dos seus riscos.

Paralelamente, desafios societais específicos concorreram para aumentar a visibilidade da saúde psicológica nos media e na opinião pública. Falamos, por exemplo, de crises socioeconómicas diversas, do aumento dos movimentos migratórios e da população refugiada, das alterações climáticas ou do envelhecimento populacional, fenómenos com impacto psicológico profundo e consequências a múltiplos níveis. Mais recentemente, no contexto do aumento dos problemas de saúde psicológica em todo o mundo resultante da pandemia de covid-19, a questão da saúde psicológica ganhou uma projecção inaudita.

Em 2021 é reconhecidamente aceite que a saúde psicológica é indissociável das grandes questões sociais, ambientais, políticas e organizacionais e essencial para o bem-estar e qualidade de vida. Estas evidências não parecem, no entanto, espelhar-se numa diminuição efectiva do estigma ou no desenho de políticas públicas. Em demasiados contextos, o foco predominante dos cuidados continua a ser a medicação e a redução dos sintomas, o acesso a cuidados de saúde adequados permanece insuficiente e as pessoas com problemas de saúde psicológica são ainda olhadas como diferentes, o que pode implicar formas diversas de marginalização social e barreiras ao seu envolvimento nas comunidades.

Portugal é o segundo país europeu com maior prevalência de problemas de saúde psicológica (cerca de 23% da população), mas também um dos países da OCDE onde a taxa de necessidades não satisfeitas de cuidados a este nível é mais elevada. Existem apenas 250 psicólogos/as nos Cuidados de Saúde Primários, o que corresponde a um representa um rácio de 2,5 psicólogos/as para cada 100.000 utentes. Há, por isso, um caminho longo a percorrer: conversar abertamente, aumentar a literacia em saúde psicológica e, sobretudo, repensar as políticas, serviços e práticas que afectam negativamente as pessoas com problemas de saúde psicológica, assegurando a sua não discriminação e igualdade de direitos em todas as situações (em particular, no acesso aos recursos necessários para prevenir e combater estes problemas) e globalmente promover a saúde, para todos os cidadãos.

A procura de ajuda é fundamental para melhorar ou manter a saúde psicológica; não faz apenas sentido em situações de crise ou desespero, mas deve ser buscada tão cedo quanto possível. Para mais informações sobre saúde psicológica e recursos disponíveis, consulta o portal EuSinto.Me

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