Eurodeputados do PSD questionam Comissão Europeia sobre verbas para refugiados ocultadas pelo SEF

Pelo menos em 2018 e 2019 o SEF não entregou ao Alto Comissariado para as Migrações os 10 mil euros por refugiado que recebeu da Comissão Europeia. E continua sem explicar onde ficou essa verba estimada em um milhão de euros.

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Elias Marcou

Os eurodeputados do PSD questionaram esta quinta-feira a Comissão Europeia sobre o alegado desaparecimento de verbas no valor de um milhão de euros recebidas pelo SEF e que nunca chegaram aos responsáveis pelo acolhimento de refugiados. A notícia foi avançada pelo PÚBLICO no dia 10 de Setembro e referia que dos 10 mil euros por refugiado ao abrigo do Plano de Reinstalação que a Comissão Europeia entregava ao SEF, só 7500 eram enviados para o Alto Comissariado para as Migrações. Isto aconteceu pelo menos durante os anos de 2018 e 2019, período durante o qual foram acolhidas no Programa de Reinstalação em Portugal pelo menos 409 pessoas a viver em campos de refugiados da Turquia e do Egipto depois de terem fugido de países como o Iraque, o Afeganistão ou a Síria. 

Por serem 2500 euros por pessoa e terem sido reinstaladas 409 refugiados nesses dois anos, significa que o SEF terá recebido, do pacote das lump sums [assim se chama ao valor por refugiado] para o acolhimento, pelo menos 1.022.500 euros que não justifica oficialmente. Este valor é uma estimativa aproximada, uma vez que a transferência das verbas e a chegada dos refugiados podem não coincidir exactamente no tempo.

Os eurodeputados querem portanto saber, nomeadamente, se a Comissão Europeia está a acompanhar esta matéria ou se a remeteu para o Organismo Europeu Anti-Fraude (OLAF) e ainda se as alegadas irregularidades poderão ter algum impacto no acesso de Portugal aos fundos do quadro financeiro plurianual da UE.

“No quadro dos programas de relocação e reinstalação de refugiados dos anos de 2018 e 2019, Portugal acolheu cerca de 409 pessoas. A título de apoio, o Ministério da Administração Interna, através do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], recebeu da Comissão Europeia cerca de quatro milhões de euros. A imprensa portuguesa dá conta que cerca de um milhão ficou perdido, nunca chegando ao destinatário final: o Alto Comissariado para as Migrações, responsável pelo acolhimento de refugiados”, escrevem os eurodeputados.

O grupo social-democrata aborda ainda uma auditoria do Tribunal de Contas português que identificou discrepâncias, em 2018, na execução do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI): “Foram autorizados 16 milhões em pagamentos, mais cinco do que a execução declarada (representando uns magros 25% do valor total disponibilizado).”

Os seis deputados europeus do PSD, neste contexto, questionam o executivo comunitário sobre a actual taxa de execução do FAMI, designadamente em Portugal.

Em resposta à notícia do PÚBLICO, no mesmo dia 10 de Setembro o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) enviou uma nota às redacções na qual afirmava que “foram recebidos [da União Europeia] e transferidos 21 milhões de euros, no âmbito do Programa Nacional FAMI, para recolocação a partir de Estados-membros da UE e reinstalação a partir da Turquia e Egipto”. Essa quantia é referente ao período do “quadro plurianual de financiamento, desde 2014 até à actualidade”.

Na nota, o SEF nunca desmente a informação avançada pelo PÚBLICO. Diz que “o financiamento, proveniente da Comissão Europeia, foi integralmente alocado pelo SEF a despesas com selecção e pré-partida, recepção e acolhimento, instalação e apoio à integração, bem como despesas administrativas, encargos associados e apoios assegurados pelas entidades de acolhimento (designadamente, habitação e outros apoios pecuniários ou em género para os cidadãos abrangidos)” e acrescenta que “estas despesas compreendem o período de 12 a 18 meses, a partir da chegada dos 2827 requerentes e beneficiários de protecção internacional já acolhidos por Portugal (1818 recolocados e 1009 reinstalados)” desde 2014 até à data.

Ora quando o SEF fala da quantia total de 21 milhões de euros refere-se também aos refugiados do Programa de Recolocação, que não eram objecto da notícia do PÚBLICO. E acaba por reconhecer que em virtude das recomendações da “auditoria de rotina promovida pelo Tribunal de Contas, entretanto concluída em 2019, e que incidiu, entre outras matérias, sobre o funcionamento deste programa de reinstalação e recolocação de refugiados”, passou apenas em 2020 a proceder “ao pagamento integral devido no valor de 10 mil euros por cada cidadão reinstalado”, como o PÚBLICO já antes dissera.

“No âmbito do procedimento actual, adoptado em 2020, e à semelhança do que tinha sido feito com o programa de recolocação, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em linha com o protocolo em vigor com o ACM e considerando as recomendações do Tribunal de Contas, procedeu ao pagamento integral devido no valor de 10.000 euros por cada cidadão reinstalado, referente a listagens remetidas pelo ACM e validadas pelo SEF.”

Quem também ainda não obteve todas as respostas do SEF acerca deste assunto foi o Tribunal de Contas, que desde 2019 aguarda explicações. Ao PÚBLICO, o Tribunal de Contas (TdC) considera não estarem ainda “esclarecidos e implementados” pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) todos os aspectos suscitados na auditoria que realizou à gestão do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI) de 2019.

 O TdC diz que “as entidades, designadamente o SEF, têm prestado informação ao longo do tempo, em função dos pedidos do Tribunal, não podendo, de modo algum, dizer-se, para já, que não haja resposta ou falta de colaboração”. E acrescenta: “Se essa situação ocorresse, o que não é o caso, o Tribunal tem poderes para sancionar qualquer recusa em prestar a informação solicitada.”

No entanto, reconhece que o processo de acompanhamento não está concluído. “Este processo manter-se-á activo até todos os aspectos serem considerados como esclarecidos e implementados.”

“Vários aspectos estão ainda em análise pelo Tribunal e poderão justificar diligências ulteriores para confirmação de factos”, disse ainda. “Enquanto o processo não estiver concluído, não há novo relatório nem informação detalhada que possa ser fornecida publicamente.” Nos aspectos ainda a esclarecer de forma cabal está, entre outras, a “matéria relativa às lump sums”.

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