Da participação política em Portugal: é tempo para o voto obrigatório?

As nossas classes políticas e os seus dirigentes são, regra geral, provenientes de elites. Não falo, exclusivamente, de privilégio económico, mas antes do acto de sentar à mesa de almoço e falar sobre o estado da nação. Este papel mobilizador, ainda que de todos nós, cabe aos detentores de cargos públicos.

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Rui Gaudencio

Recentemente, dei por mim a reflectir sobre o estado da participação política pública em Portugal. Em vésperas de novas eleições autárquicas, consultei os resultados dos actos de 2017, para me relembrar de que tivemos uma taxa de abstenção eleitoral na casa dos 45%. Se analisarmos os dados europeus em processos do género, percebemos, facilmente, que nos encontramos acima da média da União, o que nos deveria fazer questionar sobre o porquê. A nós e, sobretudo, aos visados, que aos dias de hoje se desdobram em campanhas políticas por todo o país.

É certo que a política parte de nós, mas convém ter a noção de que, na grande maioria dos lares, não se debate política. Somos expostos a ela nos meios de comunicação, encolhemos, muitas vezes, os ombros e deixamos passar. Cresci numa família que viveu e estudou, durante grande parte da sua vida adulta, no Brasil, onde o voto é obrigatório. Lá em casa nunca se discutiu política, ainda que o acto de ir votar fosse sagrado, acredito que por causa deste hábito incutido abaixo do Equador. E se acredito no livre arbítrio em tudo o que nos guia, o falecimento de Jorge Sampaio, que tanto pugnou por uma aproximação democrática ao cidadão comum, fez-me voltar a este assunto. Deveria ser o voto obrigatório em Portugal?

As nossas classes políticas e os seus dirigentes são, regra geral, provenientes de elites. Não falo, exclusivamente, de privilégio económico, mas antes do acto de sentar à mesa de almoço e falar, durante algumas horas, sobre o estado da nação. É habitual, por isso, que continue a existir uma certa endogamia nos cargos públicos, porque, quando lemos a biografia deste ou daquele dirigente, lemos, regra geral, que “cedo se discutiram assuntos” na sua juventude. No meu caso, ainda que desde jovem manifestasse interesse na temática, foi na faculdade onde me deparei com as verdadeiras dicotomias da sociedade e é por isso que, quando reúno hoje os amigos — que vêm do direito e da economia, da comunicação e do jornalismo — mantemos escorridas conversas sobre estes temas, também porque as suas funções são directamente impactadas pelo estado do mundo.

Voltando à questão da aproximação cívica, este papel mobilizador, ainda que de todos nós, cabe aos dirigentes e detentores de cargos públicos. Não basta as campanhas, não bastam as visitas ministeriais, não basta fixarem-se no cariz legislador da Assembleia da República, são precisos mais mandatos abertos, na rua, numa verdadeira criação da política de proximidade. Caso contrário, incorremos no perigo da manutenção de verdadeiras dinastias de poder, em todas as facções partidárias, além de um claro efeito de alienação da realidade por parte de quem nos governa. A bolha só é perpetuada por isto e porque, regra geral, só consegue ser verdadeiramente livre de militar num partido quem tem as bases de conhecimento e garantias económicas que os permitam ter essa liberdade de intervir. 

Claro que a pandemia veio maximizar esse fosso, mas agora que, finalmente, a normalidade parece mais próxima, é tempo de se recuperarem presidências e mandatos abertos. E, obviamente, a manutenção, para os tempos vindouros, da disciplina de Educação para a Cidadania nas escolas — talvez com mais visitas de titulares de cargos públicos, deixo o repto. Quanto ao voto obrigatório? Fica algo para se pensar.

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