Deixem o Vinho Verde em paz

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Anna Costa

Quando penso em vinho verde penso em alívio. Era um vin de soif antes de eu saber o que isso era. 

Num país como Portugal o vinho verde é como água. A seguir à água, é o primeiro vinho que bebemos, quando ainda não sabemos beber vinho. 

Barato, fresquinho e pouco alcoólico – mais aguado, mais leve, mais clemente nas quantidades –, esse vinho verde mais juvenil faz a ponte entre as limonadas e os vinhos adultos, muitos dos quais verdes também. 

Tudo isto leva à snobice. Sobretudo à snobice dos tinteiros que gostam de tintos que, sendo o contrário dos verdes, deveriam formar um casal inseparável, perfeito para enfrentar as estações diferentes do ano e da alma. 

Para dizer mal dos vinhos verdes – e quase todos os meus amigos dizem – é preciso conhecer os vinhos verdes – e quase ninguém tem essa sorte. 

O meu pai gostava muito de vinhos verdes – Vilacetinho era uma das marcas que mais bebia – mas embirrava com a designação. Como especialista de vinhos brancos – tão variados e diferentes por esse mundo fora – achava que chamá-los verdes era prejudicá-los. 

Passados estes anos todos dou-lhe razão. Os vinhos verdes são tão diferentes uns dos outros que os bons, que são muitos e que não são caros, sofrem por associação com os maus, que são cada vez menos embora continuem muito baratos. 

Por outro lado, enche-me de dó e de raiva que se estraguem bons vinhos verdes com ultrajes como barricas de carvalho novo e outras intervenções violentas que impedem o vinho de se revelar. 

Bem sei que há muito vinho verde e que cada vez há mais vinhos verdes deliciosos a preços irrecusáveis mas, por isso mesmo, não seria preferível que se aproveitasse essa riqueza para intervir o menos possível, criando uma grande região de vinhos brancos que pudesse responder com qualidade e baixo preço à moda dos vinhos naturais? 

É que já não aguento ouvir mais ninguém a dizer que “este vinho é muito bom, apesar de ser vinho verde”. 

O vinho verde é um mundo. É uma sorte nossa termos nascido dentro dele.


Este artigo foi publicado no n.º 2 da revista Singular 

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