Voltar ao escritório também é regressar à vida lá fora e às interacções

Thalles Barbosa começou este mês a ir ao escritório, pelo menos, três a quatro dias por semana, e Mariana Correia deu os seus primeiros passos num estágio curricular já em modelo híbrido. Thalles, por um lado, destaca os pequenos prazeres que ganhou ao deslocar-se para o trabalho, mas Mariana aponta que ainda não é fácil interagir naturalmente com os outros.

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Paulo Pimenta

Setembro é um mês de recomeços. As férias vão-se afunilando na linha do tempo e torna-se inevitável encarar o regresso ao trabalho — seja ele em casa ou no escritório. A bem ou mal, a tempo inteiro ou parcial, este ano há quem retome, pela primeira vez em muitos meses, o trabalho presencial. Pode ser um “regresso ambivalente”, como descreve a psicóloga e professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto (FPCE) Catarina Brandão, mas traz consigo uma “sensação de normalidade” que, com a recuperação de relacionamentos e rotinas pré-pandémicas, reconforta e até ajuda a “estruturar o tempo” num equilíbrio do trabalho com a vida pessoal.

Thalles Barbosa, de 31 anos, é designer de experiência de utilizador na empresa Nex, em Leça do Balio. Entrou na empresa em Março de 2021 e, portanto, não escapou ao teletrabalho. Já tinha ido ao escritório antes, nos intervalos do último confinamento, mas agora cumpre, no mínimo, três a quatro dias por semana em trabalho presencial à medida que a empresa regressa à (nova) normalidade.

Alguns funcionários vão continuar em teletrabalho permanentemente, mas os restantes vão adoptar um modelo híbrido — com mesas separadas por dois metros, cada uma com o seu próprio frasco de álcool gel, e rotatividade nas equipas. As máscaras ficam postas a maioria do tempo e só saem no refeitório, onde só almoçam duas a três pessoas de cada vez.

“Para mim, estar no escritório é óptimo. Há uma proximidade com outras pessoas, um contacto o dia todo que eu acho que traz uma certa dinâmica e facilidade em resolver problemas mais rapidamente”, conta Thalles, que diz ser mais produtivo no escritório do que em casa, quando o foco se sobrepõe à tranquilidade.

Na eventualidade de não ser conveniente ir ao escritório, ou porque está a chover ou se tem um compromisso, não é comprometedor ficar em casa. “Uma coisa que não se consegue resolver hoje porque se está em casa, já se pode resolver amanhã no escritório facilmente. Não é preciso gerar aquela ansiedade em relação aos problemas”, relativiza.

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Mariana Correia, de 23 anos, está a tirar um mestrado em Gestão e começou esta semana o seu estágio curricular de seis meses numa empresa. Com três dias de casa, ainda não lhe sabe os cantos mas já se orienta num modelo híbrido de dois dias presenciais e três online. Com excepção de uma gafe tão característica dos tempos que vivemos: a entrevista foi digital e quando começou no escritório não reconheceu a sua orientadora por causa da máscara.

"Não funciona mal o digital, e ir lá duas vezes complementa. Como estou no início do estágio há sempre mais dúvidas e é mais fácil falar pessoalmente com as pessoas”, defende. A psicóloga complementa este acesso físico aos colegas e líderes com outro benefício — o estímulo da interacção social, a possibilidade de “estar próximo dos outros, e vê-los, sem ser com esta mediação dos ecrãs que também nos esgotam.”

Recuperar competências sociais

Para Thalles, não se trata apenas de marcar presença física no escritório. Regressa-se também à vida lá fora, experienciando tudo o que ela tem para oferecer. “Eu acho muito positivo para a cabeça de qualquer pessoa. Aqui eu almoço nos restaurantes no centro empresarial, e as pessoas já me começam a conhecer e a perguntar como estou. Começo a criar um vínculo e a ter uma rotina diferente. Apanho os transportes públicos, vejo as pessoas na rua, e sinto um alívio daquele sufocamento de estar só em casa”, partilha, acrescentando que não hesita em acarinhar um cão com que se cruze.

Thalles Barbosa tem 31 anos e é designer de experiência de utilizador Paulo Pimenta
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Thalles Barbosa tem 31 anos e é designer de experiência de utilizador Paulo Pimenta

Também Mariana, quando compara o início dos estudos, já em pandemia, com a entrada no mercado de trabalho, nota uma diferença abismal na integração. “Só em dois ou três dias conheci muito mais gente do que no início do mestrado. Apesar de a equipa estar muitas vezes em reunião [online] para manter contacto, são feitas muitas sessões de sunsets virtuais para ficarmos mesmo por dentro, acho que a interacção presencial é sempre melhor”, sublinha.

Não quer isso dizer que a adaptação seja fácil. Na socialização da estagiária ainda perdura uma sensação “estranha” com o contacto presencial. “Ficamos assim um pouco mais reticentes e julgo que já não sabemos tão bem como agir”, conta. Mas as condições, e a vacinação, tranquilizam-na. Além da rotatividade e do espaçamento entre secretárias, persiste o uso da máscara no escritório e existe, até, um visor que revela a lotação dos espaços.

“Eu acho que há muita ambivalência no regresso, há coisas de que as pessoas sentem saudades e de que têm receio. É fundamental respeitar esta ambivalência”, remata Catarina Brandão, ressalvando que esse é um papel tanto do trabalhador como das organizações. E, porque a autoconsciência é primeiro passo, desafia: “Façam o seu balanço — o que é que eu sinto em relação a regressar?”

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