Assobiar quando se conduz? Só se for numa bicicleta

A inovação aplicada à mobilidade foi o tema principal em debate no terceiro dia do Velo-city 2021, mas apesar do imenso caminho que já se percorreu na automação, há coisas que só se fazem de bicicleta, como assobiar enquanto se conduz, por exemplo.

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Leonor Patrocínio / Dário Paraíso
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Bicicleta
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,Bicicleta de estrada
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Ao final do terceiro dia, os participantes do Velo-city 2021 pegaram nas bicicletas e saíram às ruas, numa demonstração do espírito informal e de felicidade contagiante que caracteriza a comunidade de ciclistas. Aliás, alegria é coisa que não falta aos amantes da bicicleta, a avaliar pelo que tem sido dito ao longo do encontro por diversos oradores. Isso mesmo confirmou também Miguel Gaspar, vereador com o pelouro da Mobilidade na Câmara Municipal de Lisboa, quando durante a sessão plenária sobre “A inovação da mobilidade urbana” arrancou aplausos da plateia ao afirmar: “Há uma grande diferença entre um carro autónomo e uma bicicleta, é que não se assobia dentro de um carro autónomo, mas podemos fazê-lo numa bicicleta, somos mais felizes.”

Apesar da constatação do responsável, ainda assim, a inovação é fundamental para uma mobilidade que se pretende cada vez mais sustentável e nisso todos os participantes na discussão concordaram. Mas será que a inovação é capaz de resolver tudo? Esta foi uma das dúvidas lançadas por Karen Vancluysen, secretária-geral da rede POLIS, a quem coube a tarefa de moderar o plenário. “Quando ouvimos falar em inovação, pensamos na MaaS [Mobility as a Service], na automação e na electrificação, o que parece levar-nos a um mundo de alta tecnologia e de mobilidade urbana conectada, mas e então onde ficam o ciclismo e o andar a pé? Será que as inovações tecnológicas e a sustentabilidade podem andar a par?”, questionou, lembrando ainda que “é possível também ser-se inovador na forma como se fazem as políticas e em como se reorganiza o espaço das nossas ruas”.

Também declaradamente feliz – mas neste caso, por poder estar num evento presencial – Kevin Maine, CEO da Cycling Industries Europe (CIE) e ciclista fervoroso, começou por lembrar a razão por que as pessoas se tornam envolvidas e até activistas no tema do ciclismo: “Nós queremos que algo mude, queremos que o mundo se mova e a bicicleta e o ciclista são o nosso instrumento.” E o que aconteceu foi que “quando os governos, as cidades e as regiões se mostraram prontos para nos ouvir colectivamente, nós começámos um novo discurso que diz que o ciclismo é essencial”, e aquilo que começou por ser um sussurro de activistas “tornou-se o nosso tsunami”, explicou, reconhecendo o enorme contributo da pandemia para a rápida mudança que se tem verificado. Agora, disse, fala-se em “500 milhões de euros em fundos estruturais [para apoio ao uso da bicicleta] e podemos falar de um crescimento de 50% na indústria”. Mas para que as coisas aconteçam é preciso “juntar pessoas”, sublinhou, “pois se não fizermos isso, seremos sempre uma pedra atirada ao lago e não o tsunami que queremos ser”.

Continuando a metáfora da onda gigante, Kevin Maine apelidou a estratégia de sistema inteligente de transporte (ITS, na sigla em inglês) proposta pela CIE para a bicicleta de “tsunami digital”, referindo a necessidade de tornar tudo digital e conectado, o que implica a necessidade de dados. “Em primeiro lugar, os dados têm de ser recolhidos, legalizados e analisados e nós ainda não o fizemos e depois temos de saber contar a história a nível europeu”, referiu, apontando a necessidade de se quantificar todas as infraestruturas disponíveis, as ciclovias existentes na Europa, concluindo que “temos ainda trabalho para concretizar e também algum lobbying para fazer em conjunto”

Inovar na forma de fazer

Começando por admitir que para retirar as pessoas dos carros, o maior investimento deveria ser nos transportes públicos, Miguel Gaspar reconheceu também as dificuldades que tal acarreta, desde logo porque “as pessoas são muito diferentes umas das outras”, logo, “precisam de uma abordagem diferenciada”, além de que “precisamos de acrescentar aos transportes públicos instrumentos mais flexíveis para que façam parte do sistema e sejam sempre uma opção e é aí que entra a inovação e a versatilidade para um trabalho consistente”. Outro problema reside nas próprias empresas de transportes, pois “algumas são muito conservadoras na sua abordagem e querem possuir o cliente”, explicou. Tendo este contexto por base, elencou o que tem vindo a ser posto em prática na capital – e que implica inovação, desde logo, na forma de fazer as coisas: “Em Lisboa, estamos a fazer um grande investimento em transportes públicos, estando abertos à inovação e a deixar que as pessoas experimentem novas soluções ajudando a que estas funcionem, estamos a implementar infraestruturas que permitam andar de bicicleta e também a macromobilidade, ao mesmo tempo que somos parte e estamos dispostos a liderar a mudança numa rede de cidades, porque sabemos que temos de trabalhar juntos”. Concordando com a estratégia adoptada por Lisboa, Isabelle Vandoorne, chefe de unidade adjunta na DG MOVE, Comissão Europeia, ressalvou que não só o transporte de pessoas deve ser tomado em linha de conta, como também o transporte de mercadorias. “Deve ser analisado em conjunto, é difícil, mas é um ecossistema”, advertiu.

Quando olha para o futuro, também Wolfgang Backhaus, chefe da equipa de mobilidade colectiva e inteligente da Rupprecht Consult, vê “o transporte público e a mobilidade activa como a espinha dorsal” deste tema. “Em 2050, eu já terei quase 80 anos, mas as distâncias não vão mudar; o que vai mudar é a maneira como nos deslocamos e como tudo estará organizado, porque haverá sistemas com maior mobilidade e também carros autónomos e partilhados”, afirmou.

Ficção científica no futuro das cidades?

Mas será que os carros do futuro vão mesmo voar? Miguel Gaspar não recusa a hipótese, mas duvida que esta possa ser a solução a adoptar para o espaço urbano, porque “quando falamos de cidades temos de falar sempre da logística”, que é, na sua perspectiva, “um dos maiores desafios das cidades”. “Não queremos falar das caixas, mas depois vemo-las crescer”, disse, aludindo ao aumento exponencial verificado em termos de comércio electrónico sobretudo no período da pandemia.

Já os veículos automatizados terão o seu lugar na MaaS, segundo Wolfgang Backhaus. “Irão existir veículos autónomos partilhados, os quais terão de ser regulados, nomeadamente em termos de taxa de ocupação”, referiu, acrescentando que esta será “uma inovação em termos organizacionais, mais do que em termos tecnológicos”. “Irá sempre haver inovação e invenção, mas temos de orquestrar, organizar e regular estas coisas”, defendeu, considerando que “como efeito, as cidades serão mais vivíveis e por isso [a inovação] será aceite”. Mas, para tal, “primeiro deve ser tido em conta o ser humano e a sociedade, depois as organizações e só depois a tecnologia”, chamou a atenção.

Face ao que se espera para o futuro, será que as bicicletas irão ser consideradas suficientemente inovadoras em 2050? Kevin Maine acredita que tal poderá acontecer, sobretudo se se tiver em conta o seu potencial de partilha e os excelentes efeitos nas rotinas dos cidadãos. Desta forma, recusa as ideias futuristas e habitualmente associadas a cenários de ficção científica, até porque “temos enraizado no nosso ADN algo que nos leva a querer andar e tocar”, o que, na sua opinião, acabou por ficar confirmado com a crise pandémica. “A humanidade está a dizer-nos que tem de ser fácil deslocar-se e ir encontrar-se com amigos ao parque”, sintetizou, renovando o sentimento de que a bicicleta terá sempre lugar num contexto em que as pessoas querem manter o contacto e a presença física, em vez de ficarem “sentadas em frente aos ecrãs e fechadas em bolhas”.

Smart Pedal Pitch 2021: segurança premiada

O final da sessão plenária sobre inovação foi precisamente o momento escolhido para a apresentação dos três projectos finalistas do Smart Pedal Pitch 2021 – concurso internacional de soluções tecnológicas inovadoras destinadas à mobilidade ciclável nas cidades - a que se seguiu a votação por parte dos participantes no Velo-city 2021. Apresentado por Liz Yu, Onsee foi o projecto vencedor, destinado a garantir a segurança de quem pedala. Lembrando que um ciclista no Reino Unido vive por ano, em média, 450 situações que podiam dar origem a um acidente, esta torna-se uma área crucial, pelo que a proposta assenta numa pequena câmara, que pode ser facilmente instalada na bicicleta, e que fornece toda a informação recolhida durante os trajectos realizados. Esta informação é depois convertida em mapas com a indicação dos locais percorridos onde mais facilmente acontecem situações de perigo.

Geovelo e Mobiel 21 foram os outros projectos finalistas. O primeiro, também destinado a promover o ciclismo seguro nas cidades, consiste numa aplicação de navegação gratuita, já utilizada actualmente em Paris e Lyon, num total de 40 cidades em toda a França. Trata-se de uma calculadora de itinerários, baseada no mapeamento completo das infraestruturas existentes em qualquer parte do mundo num formato de open data. Também finalista, a solução Ping If You Care permite aos cidadãos avaliarem as ciclovias que usam, contribuindo assim para a sua melhoria contínua, assinalando locais e deixando comentários. Todos os dados são depois analisados e correlacionados com o perfil do ciclista.

A primeira edição do Smart Pedal Pitch decorreu na Velo-City 2019, em Dublin, tendo os concorrentes vencedores apresentado os seus projectos nas ruas da cidade. Agora, foi a vez de Lisboa acolher a solução vencedora numa iniciativa levada a cabo pela Federação Europeia de Ciclistas, Cycling Industries Europe, Câmara Municipal de Lisboa, projecto Bicycles and ITS, entre outros parceiros locais.

Debater – e celebrar – as mulheres no ciclismo

Pela primeira vez desde que o Velo-city começou a ser organizado – há cerca de 40 anos – este dia ficou marcado pelo facto de dez mulheres subirem ao palco sem presenças masculinas entre os oradores, numa sessão sobre a rede Women in Cycling. Lançada em Fevereiro de 2021, a rede tem como objectivo ajudar as mulheres a conseguirem mais visibilidade, impacto e lugares de liderança no sector do ciclismo. Além do género, muitos outros temas estiveram em análise nas várias sessões paralelas realizadas no terceiro dia do Velo-city 2021, como o bikelash (manifestação de ódio ao ciclismo urbano), a necessidade de repensar as estruturas para os veículos automóveis, o impacto regulatório da micromobilidade ou as campanhas para incentivar o uso da bicicleta, com vista a contribuir para uma melhor saúde, entre outros assuntos. No final do dia, e com as condições meteorológicas a ajudar, centenas de entusiastas da bicicleta pedalaram juntos, percorrendo as ruas de Lisboa desde o Parque das Nações até à zona da Baixa, na tradicional Bike Parade.